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Pneumonia? Peleumonia? Ou o problema é outro?

Pneumonia? Peleumonia? Ou o problema é outro?

O próximo texto desta coluna, como combinado, deveria ser sobre as pessoas que se “escondem” atrás das mídias sociais: aquelas pessoas que as utilizam em demasia como fuga, ou vício ou as que encontram aí um ponto de apoio para suas dificuldades de convivência no mundo real. Porém alguns fatos ocorridos e que circularam pela internet nestes últimos dias chamou minha atenção de maneira gritante e não pude deixar de construir uma reflexão aqui com vocês.

O marco inicial foi uma simples consulta médica, um questionamento feito pelo mecânico José Mauro de Oliveira Lima, 42 anos ao plantonista do Hospital Santa Rosa de Lima, em Serra Negra (SP), doutor Guilherme Capel Pasqua, e a inocente pergunta sobre tão sério diagnóstico tornou-se alvo de deboche. Sim, estou me referindo ao efeito “PELEUMONIA”. O triste início se deu quando um médico, um homem branco, jovem, com vários anos de estudo e dedicação à faculdade de medicina, em mais um dia de trabalho atendeu um paciente que com seu linguajar simples, de quem não teve muito estudo porque precisou trabalhar para prover o sustento da família, referiu-se à doença que acomete os pulmões como “peleumonia”  (Portal G1 – Reportagem).

Motivado exatamente não se sabe por que, se por “simples” brincadeira, falta de educação e respeito, se por imaginar-se melhor por saber-se detentor de um conhecimento que o paciente não possuía, ou outras motivações que desconhecemos, ele e algumas colegas resolveram tirar fotos da palavra como dita pelo paciente, expor em redes sociais e tecer comentários maldosos, conceituando que “assim seria o nível da clientela atendida naquele hospital”. Cena vexatória e constrangimento desnecessário. Não precisa ser muito estudado para pensar nestas hipóteses.

Evidente que o médico ganhou simpatizantes por muitas e diversas razões. Porém, como quem fala o que quer ouve o que não quer, os autores da situação foram alvo de muitas críticas também. Não restam dúvidas de que a internet é, hoje em dia, o espaço mais democrático de expressão que se tem. Tudo se pode postar, porém há que se saber que haverá que arcar com as consequências daquilo que é dito, do que é exposto, do que elogia, mas também do que denigre. A lei da física é clara: a toda ação corresponde uma reação oposta e de igual intensidade (3ª lei de Newton). Isto é, se você ataca de um lado, sente e espere uma reação em igual proporção vindo em sua direção.

Mídias sociais e exclusão

Print do post “Existe Peleumonia” na página da médica Júlia Rocha – via Facebook

Após a avalanche de críticas, veio um pedido de desculpas via internet, mas a demissão não deixou de acontecer. Na contramão deste acontecido, uma médica mineira, por meio de poesia, rebateu dizendo que existe “peleumonia sim, com febre interna e tudo mais“. Eis o segundo capítulo: uma médica, uma mulher negra, jovem, com também muitos anos de estudos e dedicação à sua formação, tenta mostrar à população que, mesmo detentor de muito conhecimento, um médico pode (e deve!) realmente ouvir seu paciente de maneira aberta, sem preconceitos e compreender quando este fala, desde o seu saber, da dor que lhe aflige tanto o corpo como a alma. Ao fazer menção a uma prática humanizada, esta médica dizia, em outras palavras, que a medicina deve ter ouvido atento e apurado às mazelas do ser humano, às suas dores e seus ais e não se ater ao seu vocabulário, se correto e requintado, desprezando aquele que mal sabe descrever o que se passa em si. Mais ainda, usar termos médicos de maneira correta nem é obrigação do paciente, a bem da verdade, mesmo que seja o nome de um exame ou de uma doença já de uso comum da população.

Até este ponto, notamos a exclusão se fazendo presente. Pessoas sendo excluídas por não saberem falar corretamente, sendo esculachadas em rede social – e o problema não é só o senhor paciente em questão, mas todo aquele que ao tomar conhecimento da situação se solidariza e se sente em situação de igualdade, por não haver estudado, por não dominar a linguagem culta, por achar-se menos frente a um médico ou um advogado, por exemplo. Mas, até aqui, por mais que abusos hajam sido vistos, as coisas ainda estavam dentro de um limite “aceitável”. Ou pior, do que nós nos acomodamos a dar como aceitável – uma agressão, um pedido de desculpas, uma contra resposta.

Só que algo mais veio à baila e saltou aos olhos pela maneira grosseira que se impôs, atinge-nos como seres humanos de bem em nossa dignidade posto que não podemos compactuar com ações de magnitude como esta. Após a publicação da médica e as milhares de curtidas recebidas e suas repercussões, um também médico, desta vez do Rio Grande do Sul, homem, branco, também estudioso de sua profissão (assim o imagino), abriu frente a uma série de críticas denegrindo a imagem da médica – atacando-a pessoalmente, instigando ódio e preconceito.

Não sei quantas pessoas chegaram a ler as publicações que foram tiradas do ar – tanto o perfil do médico como a página criada por ele de cunho partidário no Facebook – após denúncia. Triste ver a que ponto as pessoas podem chegar para atingir outro ser humano. E não foi somente ele. Outras pessoas – leia-se outros médicos, foram dando voz à exclusão, com comentários maldosos, maliciosos, racistas, uma vez que as críticas à médica não se detiveram a analisar o que ela dissera, mas recaíram sobre a cor da sua pele, o estilo do seu cabelo, a cor do jaleco que usava (vermelho, daí associaram-na a determinado partido político piorando o nível das agressões), puseram em questão seu profissionalismo sem mesmo a conhecerem ou ao seu trabalho. Sobre o estetoscópio que ela usava na foto, que é um produto de boa qualidade, chegaram a questionar se era aquele mesmo que ela utilizava para atender pobre. A especialidade médica praticada por ela, medicina de família e comunidade, chegou a ser questionada se servia para “tirar piolho de mendigo”. E por aí afora…

A que ponto de racismo, injúria, desprezo, desamor estamos chegando? A xenofobia está sendo praticada cada vez mais, com mais proximidade, abandonando os limites dos países, chegando aos limites entre cidades, bairros e aos muros que nos separam dos nossos vizinhos. O tal amor ao próximo está adquirindo o status de algo lindo impresso no papel. A dita inclusão que propagamos aos quatro ventos deve estar se perdendo neste mesmo vento já que mais parece que estamos prontos para excluir do que para agregar. Mas maior, e pior, e assustador é o ódio que tem sido expresso, que se destila e consegue adeptos. Ficamos horrorizados com os atentados terroristas que aconteceram na França, nos EUA, na Alemanha, mas será que estamos nos dando conta destes pequenos terrorismos que estão acontecendo ao nosso lado, que pode estar acontecendo como um vizinho, nosso amigo, conosco ou do qual, sem prestar atenção, podemos nos tornar atores?

A dor, o medo, a vergonha que este paciente e que esta médica estão sentindo, quem cuidará disso? Um “me desculpe” não apaga, um processo judicial não ameniza…só mesmo a inclusão verdadeira, o respeito pelo outro, a aceitação incondicional independente de raça, religião, opção sexual, nacionalidade, nível de escolarização ou sócio-econômico poderá fazer com que dores como esta não sejam mais provocadas, que feridas como esta possam ser cicatrizadas. Porque afinal, nem pneumonia, nem “peleumonia”, o problema era bem maior que esse…

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15 comentários

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15 Comentários

  • Isabel Duarte Tissi
    13 de agosto de 2016, 21:38

    Parabéns Adri, adorei a matéria. Sucesso!!!

    RESPONDER
    • Adriana Soczek Sampaio@Isabel Duarte Tissi
      15 de agosto de 2016, 22:46

      Isabel muito obrigada pelo carinho, por estar aqui comigo nesta nova etapa, prestigiando este trabalho que faço com muito carinho para cada um de vocês, leitores.
      Volte mais vezes, comente, traga sugestões para novas reflexões…contribua sempre.
      Um abraço.

      RESPONDER
  • Aurea
    11 de agosto de 2016, 10:46

    Empatia, sempre. Acredito q a empatia e o respeito são pilares para um mundo melhor

    RESPONDER
    • Adriana Soczek Sampaio@Aurea
      11 de agosto de 2016, 17:19

      Sem dúvida, Áurea, são os grandes pilares que sustentam a construção de mundo melhor. Acreditemos e façamos uso deles em nossa caminhada. Uma semana de luz para você.

      RESPONDER
  • floizeunice
    11 de agosto de 2016, 08:58

    ctba, 11/08/2016

    eunice, bom dia, gostei muito da sua materia, a respeito destas doenças q/temos muitas duvidas..
    minha mãe mesmo tv, pnemonia no mes de fevereiro, estamos indo ao medico..tratando.

    RESPONDER
    • Adriana Soczek Sampaio@floizeunice
      11 de agosto de 2016, 17:18

      Eunice, obrigada por contribuir com seu comentário e participar da minha coluna. Volte mais vezes trazendo ideias e sugestões de temas a serem abordados.

      RESPONDER
  • Ana Cristina S.Carraro
    11 de agosto de 2016, 08:04

    Parabéns e sucesso, prima Adriana Sampaio.Deus no comando.

    RESPONDER
    • Adriana Soczek Sampaio@Ana Cristina S.Carraro
      11 de agosto de 2016, 17:17

      Ana imensamente grata pelo carinho e por prestigiar meu trabalho. Sinta-se à vontade para sempre voltar e comentar, contribuir com ideias e sugestões. A revista, semanalmente, traz muitas novidades. Vale a pena. Um abraço.

      RESPONDER
  • Liliane
    8 de agosto de 2016, 09:07

    Adorei amiga Adriana!

    RESPONDER
    • Adriana Soczek Sampaio@Liliane
      11 de agosto de 2016, 17:15

      Obrigada por prestigiar minha coluna Liliane e pelo carinho. Acompanhe semanalmente e pode contribuir com ideias, sugestões, comentários e críticas.
      Seja sempre bem-vinda.

      RESPONDER

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