Por volta de 2008 estava eu trabalhando em uma instituição e uma das modalidades do meu atendimento era a realização de grupos para trocas de experiências, discussões sobre assuntos levantados pelas participantes e explanação a respeito dos temas indicados por elas. Em um dos encontros, o tema solicitado por todas foi: depressão. Elas desejavam saber mais a respeito: conhecer os sintomas, aprender a identificá-los em si e saber sobre formas de tratamento.
Como há muito eu trabalhava com pessoas que passavam pelo quadro de depressão, reuni material para o nosso encontro e fui. No início, foram apontando suas dúvidas para que eu pudesse direcionar o andamento do nosso trabalho com aquele tema. Fomos discutindo e fui respondendo a muitas dúvidas, esclarecendo pontos importantes e abordando os diferentes tratamentos – o medicamentoso, que é o maior receio das pessoas de maneira geral por medo de tornarem-se dependentes da medicação; a psicoterapia e outras modalidades que podem ajudar, como a prática de caminhadas, yoga, acupuntura entre outros.
Depois de decorrido boa parte do grupo, uma mulher com seus vinte e poucos anos, semianalfabeta, casada e mãe de dois filhos, que residia numa cidade do interior do Mato Grosso e trabalhava auxiliando o esposo com agricultura fez a melhor intervenção do dia. Ela ergueu a mão pedindo espaço e quando lhe foi dada a palavra, comentou: “Quando escutava falar em depressão eu sempre imaginava uma panela de pressão. Não imaginava que escrevia junto. Pensava que era uma pessoa que sofria ‘de pressão’”.
Instantaneamente minha mente processou esta preciosa informação e, antes que muitas caíssem na risada ou começassem alguns deboches pela suposta ingenuidade da mulher, eu acrescentei para o grupo que sim, que depressão pode ser de pressão! Porque se analisamos mais friamente, o tal mal do século iniciou-se justo quando as pessoas passaram a ser mais exigidas, mais cobradas, seja em casa, no trabalho ou pela sociedade. Desde pequena, a criança passa a ter horários rígidos a cumprir: é escola, aula de natação, inglês, kumon, ballet, judô… A mulher tem dupla (às vezes tripla) jornada: administra as tarefas da casa, cuida dos filhos e do marido, tem uma carreira para investir ou manter. É também amiga, irmã, filha, vizinha. O homem, sempre inserido no mercado de trabalho, é ainda mais exigido pela concorrência, além de ter se voltado a auxiliar mais nos afazeres da casa e no cuidado com os filhos. O trânsito está cada vez mais engolidor de tempo, causando estresse e consumindo um tempo que poderia ser usado para o descanso. E em meio a tudo isso acontece mudanças políticas, econômicas, perdas e consequentes lutos, uma doença na família…
Então, não temos mesmo como negar que sim, uma pessoa pode sofrer depressão que advenha de pressão. E se imaginamos a figura da panela de pressão tal qual a moça descreveu, arrisco a dizer um pouco mais: não só sofrer “de pressão” é perigoso, mas assim como uma panela de pressão que não receba manutenção adequada, podemos explodir e sem podermos antecipar qual o tamanho do estrago e qual direção o conteúdo tomará.
Com tudo isso, não descarto os fatores genéticos implicados num quadro de transtorno depressivo nem o papel que a neuroquímica cerebral desempenha neste contexto, mas pensando dentre as causas do ambiente, a rotina caótica na qual podemos estar inseridos e uma menor habilidade de lidar com ela podem sim serem desencadeadores de sintomas depressivos. Por isso, é importante tentar administrar nosso tempo e nossas atividades de forma a conseguir executar coisas que nos sejam prazerosas e não somente as necessárias e obrigatórias. Sim, eu sei, nem sempre isso é possível. Se não tem como diminuir o tempo gasto entre casa/trabalho, então, podemos adotar o costume de ouvir notícias neste trajeto e assim poupamos o tempo gasto para ler jornal. Se utilizamos transporte coletivo, então podemos otimizar respondendo mensagens ou e-mails importantes, tendo mais tempo para nós e para usar com as pessoas que amamos ao chegar em casa.
Importante lembrar que toda e qualquer pessoa que esteja passando por momentos difíceis, de conflitos ou grandes decisões, de mudança na vida ou processo de luto, assumindo novas responsabilidades ou em vias de separação, podem se beneficiar de ajuda de um profissional da psicologia. E uma vez detectada a depressão, importante buscar tratamento com um psicólogo e um médico psiquiatra, o qual poderá avaliar a necessidade de um acompanhamento com medicação e traçar um plano de tratamento individualizado para o seu caso. Nem sempre assumir as rédeas da nossa vida é algo fácil. Mudanças são sempre bem vindas, mas o seu processo pode ser dolorido e pode acarretar estresse emocional e o aparecimento de sintomas depressivos. Lembre: depressão é coisa séria. Não é nem preguiça e nem má vontade. É uma doença que precisa ser avaliada, tratada, acompanhada por profissionais experientes. O risco de pensamento suicida, tentativas ou chegar às vias de fato não é algo incomum. Por isso, ao identificar sinais de aparecimento deste transtorno, busque sempre uma avaliação profissional e siga a indicação de tratamento corretamente.
E assim, essa moça com seu pouco estudo, nos deixou uma importante reflexão sobre nossa rotina, nos colocando a pensar em como temos guiados nossos passos, em que peso estamos atribuindo a tudo e a todos que nos cerca e se conseguimos otimizar nossa vida ou estamos sendo sucumbindo às responsabilidades, horários e afazeres sem realmente encontrar tempo para viver!
São sintomas de um quadro de Depressão, segundo o DSM 5 [1]
Disponibilizado por: Blog da Psicologia Unimar. [1] O DSM 5 é a versão lançada em 2014 do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais. É elaborado pela Associação Americana de Psiquiatria e serve como material de base para avaliação de psiquiatras e psicólogos de pacientes com transtornos mentais. |