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A Pecadora – Quando a fé abusiva permite o adoecimento

Em A pecadora – original The Sinner (2017) da Netflix, o cenário desenrola entre duas irmãs adoecidas emocionalmente em decorrência da fé abusiva de sua mãe.

Um assassinato em uma praia, onde Cora, personagem principal, se permite matar a facadas um suposto estranho, revela má íntegra, esse adoecimento.

Ao iniciar a série me vi por vezes assustada com o realismo deste enredo novelístico, com as cenas envolvendo na íntegra a perversidade humana.

Não que esta série supere as demais do gênero, mas por conta de toda sua qualidade roteirística e cenográfica.

De repente, me vi envolvida em investigar e compreender no mínimo, o porquê de toda aquela confusão. Tudo isso me remontou diversas vezes à ficção, por meio de uma projeção, quase que extracorpórea.

Temos na série duas protagonistas, uma suposta criminosa: Cora – responsabilizada pelo quadro mórbido e adoecido de sua irmã. E Phoebe – uma menina com doença degenerativa associada à Cora: a “vampira que sugara tudo do útero da mãe”. Ambas, criadas em ambiente familiar disfuncional. Uma sob o mimo constante da mãe, e a outra; pela sua hostilidade.

Cora e Phoebe, crescem nessa relação de favoritismo X descompensação. A culpa imposta recorrentemente à Cora pela mãe, a inflige como a principal responsável pelo estado degenerativo da irmã.

Sob a justificativa de uma fé abusiva, a trama familiar se complica cada vez mais, revelando segredos e abusos cada vez mais assustadores.

Como se não bastasse a disfunção familiar em relação ao preferencialismo, Cora e Phoebe, observavam o pai adúltero visitar uma vizinha, sexualmente, todas as noites, enquanto a mãe beata rezava e as obrigada a rezar.

Não é de se admirar que a iniciação púbere das irmãs se deu de forma incestuosa, incluindo uma orgia com a estátua do Cristo Crucificado.

Por mais que a cena choque, as contingências que cercaram essas duas meninas, corroboraram para o fortalecimento de um desenvolvimento emocional adoecido, perturbado, sem pertença ou referencial.

Construíram juntas, o sonho de terem um lar distante de seus pais, e como Phoebe, a mais libidinosa, era acamada, restava à Cora os programas sexuais para angariar fundos para sustento das duas.

Nesse enredo, Cora se mistura com pares desviantes. O abuso de bebidas e drogas, que culminará em um estupro altamente qualificado e planejado, além da morte de sua irmã, em sua iniciação sexual com um jovem rico, em uma mansão orgíaca, passa a ser recorrente.

Longe do canibalismo de “Hannibal”, mas com certa metáfora de “Devorador de pecados”, a saga cria expectativas de uma série satânica, mas longe disso, os resultados.

Em outros momentos, é possível assistir as cenas onde o detetive Leroy, principal agente responsável pelo inquérito do assassinato na praia, se perde nos braços (ou melhor pés) de uma “dominatrix”, que se esforça para remontá-lo ao Édipo.

Leroy não se conforma com veredicto, e trabalha incansavelmente para descobrir o que está por trás de “tanta culpa”, percebida então por ele, na primeira entrevista com a acusada.

Desenrola ao longo da trama o mistério, e ao compreender os passos que a levaram a este lugar de criminosa, compensa sua alma inquieta, presa a uma criação abusiva, semelhante à sua investigada.

The Sinner abre a discussão para a necessidade de olharmos para além das cortinas, as vítimas de abuso, de maus tratos, de violência.

Expõe, ainda que de forma fictícia uma realidade que evolve uma dimensão de crimes, muitas vezes ofuscado, por conta das relações de poder. Traz a questão do quanto os pais podem interferir no desenvolvimento saudável ou doentio de seus filhos.

A postura de pais adoecidos deixa graves sequelas, normalmente levadas para a vida adulta.

As consequências são agressividade, dificuldade adaptação social, rebeldia, timidez e um enorme sentimento de culpa e muitas vezes descargas emocionais que caracterizam crimes graves, como mostrado na série.

O sujeito criado em uma configuração familiar hostil, cresce sem saber o que esperar e nem agir.

Segundo Braum, (2002), “qualquer uma das formas de violências pode estar diretamente relacionada e ligada à violência psicológica ou física”.

Não é possível classificar a violência psicológica como uma espécie em separado, embora ela ocorra também de forma exclusiva. A violência física deixa marcas, sequelas e implicações psicológicas.

A violência psicológica caracteriza-se pela interferência negativa que o adulto exerce sobre a criança.

Dentre as formas desta espécie estão:

Rejeitar, quando o adulto não reconhece a criança nem a suas necessidades;
Isolar, o adulto isola a criança de suas atividades habituais, impedindo a criança até de ter amigos, fazendo-a se sentir só no mundo; aterrorizar, quando o agressor faz agressões verbais, instaurando o medo na criança;
Ignorar, quando o adulto não estimula o desenvolvimento emocional e intelectual da criança; Corromper, quando o adulto induz a criança ao uso de drogas álcool, ou até mesmo a prostituição. (Delanez, 2013)

Reconhecer e identificar as espécies e formas de violência, permitem identificar a violência intradomiciliar, e ainda, permitem a percepção de suas consequências, e os possíveis tratamentos mais adequados.

Sendo violência de forma física, psicológica, sexual ou negligência; todas desencadearão resultados físicos e psicológicos, que poderão ser recalcados por uma vida inteira se não tiverem o tratamento adequado.

É certo que, a violência familiar é ainda mais agravante e assustadora, por ser o lar, ainda considerado um núcleo, onde a criança deveria ter confiança, proteção e segurança. Não ofertar essas demandas, é simplesmente negligenciar a esses: a vida e o futuro

Em “A pecadora”, temos uma revisão sobre as relações sistêmicas disfuncionais, e a possibilidade de utilizarmos nosso senso crítico e funcional. A saga é passível de credibilidade e transformação.

Vale a penas conferir!

https://www.youtube.com/watch?v=BU2Csrj1-n8

Picture of Chris Sturzeneker

Chris Sturzeneker

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