Search
Close this search box.
Conto - Verdes Mares

Conto: Verdes Mares e Pirata Cara de Pau

No mundo mágico, além das florestas cheias de magia, onde habitam elfos e gnomos, fadas madrinhas e crianças perdidas, flores, borboletas e pássaros que falam, existem grandes mares, com ondas bravias a uivar conforme a força do vento, assustando os seres pequeninos que vivem na terra encantada.

Um navio passava vez ou outra, com a sua bandeira preta e uma caveira branca desenhada ao centro, tremulava no alto assustadoramente. Era dia de caça.

Sempre vinham sorrateiros, em busca de crianças indefesas, capturar e levar para o alto mar, onde seu navio aguardava. Os barcos por vezes, iam vazios, e em outras vezes, levavam muitas crianças.

Capitão Zarolho usava um tapa-olhos, ele não mostrava o olho defeituoso para ninguém. Era o seu troféu secreto. Havia obtido numa das lutas e agora só ele vê, mais ninguém.

Quando em outras épocas, eles lutavam para valer, alguém furou seu olho tendo que fazer enxerto, seu pai que era médico ia colocar um olho de vidro, porém ele que conseguira uma pedra preciosa numa das caças ao tesouro, guardou-a para uma grande ocasião, e havia chegado. Do tamanho de um olho, servia direitinho para esse propósito.

Seu pai concordou, porém, alertou que não poderia ostentar uma preciosidade estampada na cara, poderia ser saqueado, então mandou o alfaiate costurar um pano e desde então utiliza para esconder, causando curiosidade entre os tripulantes.

Isso também trazia a ele, um ar misterioso. Ele gostava disso.

As crianças que desobedeciam aos pais e saiam para longe deles, quando iam para as bandas da praia, essas eram as preferidas do Capitão Zarolho, porque era lá que eles buscavam e depois de capturados, tinham que seguir suas ordens à risca senão quiserem ser castigadas.

Ensinava esgrima, com espadas de pau, lutas corporais, destreza nas cordas, limpeza do convés, e quem se mostrava molengas iam para a cozinha.

Ele achava que a cozinha seria o pior castigo, pois tinham que descascar batatas, lavar panelas, mal ele sabia que a cozinha era o melhor local, pois lá quem mandava era o pirata Cara de Pau.

Ele recebeu esse apelido dos tripulantes, quando conseguiu o título de chefe de cozinha.
Quando foi capturado ainda menino, ele que era gordinho, não tinha a destreza dos demais e foi enviado para a cozinha, onde lá tinha um pirata de cara fechada que fazia ele realizar as piores tarefas, como buscar água em balde, trazer para a cozinha no andar debaixo, lavar tudo, cortar, descascar, cozinhar, servir, tudo era feito pelos aprendizes de cozinha sem reclamar.

O pirata aprendia tudo calado, ele gostava do que fazia, descobrindo que cozinhar era tudo que ele queria desde pequeno, tratou de aprender e fazer novas receitas com os parcos ingredientes que tinham.

Um dia, ao aportar para mais capturas, porque da última vez não tivera sucesso, o Capitão Zarolho levou o cozinheiro junto, todos subiram ao convés para tomar sol, alguns seguiram em busca de novos “adeptos”.

Capitão ordenou que o cozinheiro saqueasse algumas vendas para obter mantimentos essenciais, enquanto ele e os demais piratas buscavam novas crianças.

Quando todos voltaram, não encontraram o cozinheiro, que cansado de servir aos tripulantes mal-agradecidos, se mandou.

Como o pirata Cara de Pau tinha idade suficiente para manejar com facas de cozinha, fazia quitutes deliciosos aos paladares dos demais, foi promovido pelo Capitão Zarolho e fez algumas exigências antes de aceitar o cargo. Não queria os tripulantes zanzando pela cozinha, ele disse que além de mal-educados, eles sujavam tudo lá dentro, dando trabalho extra para o pessoal da cozinha atrasando os afazeres da comida.

O Capitão Zarolho concordou e baixou uma lei. Ninguém entra na cozinha sem ser convidado pelo Cozinheiro Chefe, quando todos gritaram em uníssono: Cara de Pau, Pirata Cara de Pau, e assim, seu apelido fixou-se.

Passaram-se quase meio século, sempre nessa rotina. O Pirata Cara de Pau agora contava com quase dez adeptos à cozinha.

Os garotos gostavam, antes de ser um castigo, era um paraíso.

Depois de tudo feito, servido, lavado e secado, limpo e higienizado, o Pirata fazia roda com seus adeptos e contava histórias, até a hora de dormir. Contou que já foi garotinho também, até que um dia foi capturado e mantido preso por não querer aprender a lutar, tinha medo de tudo afinal, então tentou ser bom na cozinha para não receber castigo.

Ensinou que era necessário ter agilidade, destreza, obediência, colaboração uns com outros e por final, astúcia quando levava as refeições para cima.

Todos gostavam, fazia passar a hora rápido até dormir e acordar para nova rotina.

Ninguém contava lá fora, que o Pirata Cara de Pau era um pirata bonzinho, era segredo de todos da cozinha, eles tinham medo de o Capitão Zarolho descobrir e cortar essa mordomia.

O Pirata Cara de Pau não concordava muito com os atos do Capitão Zarolho, raptar, pilhar, saquear, isso era ruim, porém ele gostava do jeito que ensinava, tinha autoridade, mas não era cruel. O castigo consistia apenas em ensinar os garotos a mergulhar, caçar na água, aprender a sobrevivência com os frutos do mar, peixes e buscar riquezas quando encontrasse. Ademais, os meninos aprendiam a nadar quando não sabia, e a vista do fundo do mar era maravilhosa, dando um tanto de liberdade aqueles que se sentiam aprisionados.

Quando os garotos perguntavam, e eles perguntam mesmo, o Capitão Zarolho explicava:

– Está vendo aqueles piratas velhos? Não tem mais agilidade como vocês jovens, sei que é trabalhoso ensinar, mas o resultado é bom, substitui aqueles que não conseguem mais lutar, e como não abandono ninguém, pois já se tornam família, eles ficam livres, tomando sol, dormindo nas redes, ou ajudando em alguns afazeres até cansarem e ficarem no cais, quando aportamos.

Os garotos entenderam. O que o Capitão Zarolho queria era que os garotos aprendessem, porque era um aprendizado para a vida.

Em primeiro lugar ele ensinava a importância da obediência, depois a disciplina e organização. Logo a aptidão e destreza para que muitas tarefas sejam cumpridas, melhor possível.

Estar sempre alerta para se defender quando chegar a adversidade da situação.

Nas noites de lua cheia, quando a noite era clareada pela luz do luar, o Capitão Zarolho convidava todos os tripulantes a se sentar no convés onde o Pirata cara de Pau e seus adeptos da cozinha já preparava rum para os mais velhos e sucos e chás para os jovens, comiam petiscos de peixes variados, e cada um contava sua história, admirando a beleza do luar, majestoso.

Um belo dia, o Capitão descobre um acampamento de garotos à beira de uma praia deserta, decide esperar pela noite e armar uma emboscada para capturar os meninos indefesos que dormiam.

Na madrugada, ele e outros piratas que já estavam escondidos, vão e capturam todos, tratavam-se de lobinhos, todos uniformizados que cantavam em volta de uma fogueira e logo, cansados se recolheram em suas barracas, apagando o fogo.

– Zás!! Foram todos capturados, levados para o alto mar dentro de barcos, o navio pirata já aguardava com o convés pronto para receber novos “convidados”.
O que o Capitão Zarolho não contava, era que entre os lobinhos havia um Escoteiro Sênior que esquecera de crescer, sendo confundido com os lobinhos, no meio da noite, por estar escuro, o uniforme não distinguia a cor.

Ele estava calmo, era natureza dele manter a calma nessa hora, quietinho se fez de lobinho e com movimento de mãos e olhares, passou mensagem silenciosa para os lobinhos que entenderam, ele pedia calma e demonstrassem tranquilidade, porém sempre alerta para o sinal.

Quando chegaram e todos já estavam no convés, os lobinhos ao sinal do chefe, fizeram o melhor possível, lutaram bravamente sem armas, somente com suas destrezas, agilidade, aprendizado diário que recebia na base, aplicou tudo que aprendera, até capturar e amarrar com o nó escoteiro que faziam com maestria.

Logo, todos estavam amarrados no mastro que abrigava a bandeira pirata.

O chefe lutou com o capitão, ferozmente, mostrando toda a sua destreza e conhecimento escoteiro. Porque o chefe tem que defender a sua alcateia, em todos os momentos que mostrarem necessários.

Claro que o Pirata Cara de Pau, percebendo o movimento de luta diferente de outros dias, subiu e orientou seus adeptos, já contava com dez auxiliares de cozinha, a ajudarem os lobinhos a capturar os piratas, sorrateiramente, para não levantar suspeita.

Ao final, todos os maus piratas estavam amarrados, com nós indissolúveis nas mãos que não conhecem, somente os escoteiros conseguem desatar seus nós.

Quando a autoridade foi chamada, o Chefe Sênior, reconhecendo a braveza e ajuda do Pirata Cara de Pau e seus adeptos, convidou-os a se integrar no grupo, a pirataria teria seu fim naquele dia.

Aqueles que eram guerreiros do Pirata Zarolho que queriam mudar de vida, teriam chance de se integrar também, após cumprir suas penas.

Porque nesse mundo de Deus, todos tem uma oportunidade de ser melhor possível.

Todos têm um espaço na terra para mostrar que está sempre alerta.

Picture of Heloísa Kishi

Heloísa Kishi

Compartilhar

Facebook
Twitter
LinkedIn
Email
Telegram