Dinâmicas Psicológicas na Violência de Gênero

Dinâmicas Psicológicas na Violência de Gênero

Narcisismo, Projeção e Conflitos de Identidade em Perspectiva Forense

Dinâmicas psicológicas na violência de gênero, como traços narcisistas, projeção de raiva contra figuras femininas do passado e repressão de identidade sexual, desempenham um papel complexo na compreensão das motivações de agressores, exigindo uma abordagem forense rigorosa.

A psicologia forense busca analisar esses fatores, que podem incluir ciúme patológico amplificado por um ego narcisista ou a transferência de conflitos não resolvidos com figuras como a mãe ou uma ex-parceira, frequentemente exacerbados por normas patriarcais.

No entanto, a análise enfrenta desafios como a cifra negra e denúncias potencialmente indevidas, que obscurecem a real extensão da violência, enquanto narrativas midiáticas, como especulações sobre a vida pessoal de agressores, carecem de validação pericial.

Este artigo explora, de forma teórica, essas dinâmicas, destacando a necessidade de avaliações periciais para esclarecer motivações e evitar estigmas promovendo uma abordagem interdisciplinar para a prevenção e a justiça.

Casos de violência de gênero amplamente noticiados, como o de um agressor que perpetrou agressões físicas extremas contra sua parceira após supostamente encontrar uma conversa em seu telefone, ilustram a complexidade das motivações psicológicas em atos violentos.

Em uma perspectiva teórica, tais episódios podem envolver a repressão de identidade sexual, como a homossexualidade reprimida, que gera tensões internas sob pressão de normas heteronormativas

Outras dinâmicas incluem traços narcisistas, que intensificam o ciúme patológico diante de uma ameaça percebida ao ego, como a sensação de ser “trocado”, ou a projeção de raiva contra figuras femininas do passado, como a mãe ou uma ex-parceira (Dutton, 2007).

Esses fatores apontam para um conflito interno que o agressor não consegue administrar, permitindo que impulsos primitivos (id) predominem sobre o ego e o superego, resultando em comportamentos violentos desprovidos de regulação ética.

O exemplo de Francisco de Assis Pereira, conhecido como o “Maníaco do Parque”, ilustra como conflitos internos profundos podem moldar o padrão de violência. Responsável por diversos estupros e homicídios na década de 1990, Pereira apresentava comportamento fetichista e solicitava que algumas vítimas introduzissem objetos nele, além de utilizar peças íntimas femininas.

Relatos e avaliações psiquiátricas apontaram que ele nutria o desejo reprimido de ser mulher, vendo em suas vítimas características que admirava ou desejava para si.

Nessa perspectiva, as dinâmicas psicológicas da agressão e, posteriormente, o homicídio funcionavam como uma maneira de eliminar fisicamente o objeto que despertava um conflito insuportável: a presença de traços femininos idealizados e inalcançáveis.

Essa conduta encontra paralelo com o conceito freudiano de aniquilação simbólica — quando a destruição do outro representa, inconscientemente, uma tentativa de destruir um aspecto interno.

O ataque ao rosto da vítima, como no caso de Natal-RN em que o agressor desferiu mais de 60 socos na face da parceira, reforça o caráter simbólico da violência.

A face, além de ser central para a identidade social e a autoestima, é o principal ponto de reconhecimento e expressão emocional. Ao desfigurar esse ponto, o agressor atinge simultaneamente o corpo e o eu psicológico da vítima.

A literatura pericial descreve a agressão facial como uma das formas mais graves de violência doméstica, pois ela produz um impacto direto sobre a percepção de valor pessoal da vítima, ampliando o trauma psicológico e dificultando a recuperação emocional.

Quando associada a componentes de desprezo pela figura feminina ou a conflitos identitários do agressor, a escolha do rosto como alvo se torna ainda mais significativa.

A violência interpessoal, especialmente em contextos de relacionamento íntimo, raramente é aleatória quanto à escolha do ponto de impacto. A literatura criminológica e a psicologia forense identificam um padrão recorrente: o agressor seleciona, consciente ou inconscientemente, áreas do corpo da vítima que representam, para ele, o núcleo do valor, da identidade ou da autoestima dessa pessoa.

As dinâmicas psicológicas por trás dessa decisão envolvem impulsos conscientes e inconscientes, muitas vezes ligados a ressentimentos, ciúmes ou humilhações anteriores. O agressor tende a projetar no corpo da vítima significados que justificam, em sua percepção distorcida, a necessidade de causar o maior dano possível.

Essa escolha estratégica do “alvo” não é apenas física, mas profundamente simbólica, configurando um ato de aniquilação identitária e emocional.

O rosto como alvo na tentativa de destruição da identidade

No caso recente de Natal-RN, em que um homem desferiu mais de sessenta socos exclusivamente no rosto da companheira, a seleção do alvo não pode ser vista como coincidência.

O rosto é o ponto mais visível e identificável do corpo humano, associado à identidade social, ao reconhecimento e à autoestima. É onde se concentram expressões emocionais, características únicas e traços que, culturalmente, representam beleza, cuidado pessoal e valor social.

Ao atacar repetidamente o rosto, o agressor não busca apenas provocar dor física, mas também desfigurar aquilo que a vítima valoriza e que é valorizado pelos outros.

Na lógica perversa do perpetrador, danificar a face equivale a danificar a “máscara social” da vítima, deixando cicatrizes visíveis que podem perpetuar a humilhação e a perda de confiança.

As dinâmicas psicológicas que sustentam esse padrão revelam a intenção de explorar a vulnerabilidade emocional da vítima, direcionando a agressão para o que ela mais preserva como parte de sua identidade. Essa conduta não apenas inflige dor imediata, mas prolonga o sofrimento ao comprometer a forma como ela se percebe e é percebida socialmente.

Além disso, essa escolha reflete um mecanismo de vingança simbólica: se a vítima é percebida como alguém que feriu o ego do agressor (por rejeição, traição ou simples frustração), ele mira justamente no ponto que acredita ser a fonte de orgulho ou segurança dela.

O ataque à sexualidade percebida: o caso Lindemberg Alves

Um exemplo emblemático de seleção de alvo simbólico ocorreu no caso de Lindemberg Alves, responsável pela morte de Eloá Cristina em 2008, durante o sequestro em Santo André (SP).

Após manter a jovem em cárcere privado, Lindemberg efetuou um disparo que atingiu a vítima próximo à região pélvica, especificamente à altura da virilha, antes de um segundo tiro fatal.

Do ponto de vista forense, essa região possui forte carga simbólica por representar a sexualidade e a intimidade. As dinâmicas psicológicas associada a esse tipo de agressão evidencia a tentativa do agressor de punir simbolicamente a vítima por uma suposta traição, projetando inseguranças e ciúmes patológicos.

No contexto do caso, Eloá havia terminado o relacionamento e não desejava retomar a vida amorosa com Lindemberg, o que, segundo a investigação, gerou suspeitas por parte dele de que ela pudesse estar se relacionando com outra pessoa.

Nesse sentido, o disparo próximo ao órgão sexual funciona como mensagem punitiva, tentando “marcar” a vítima no ponto que, para o agressor, simbolizava a suposta traição ou rejeição sexual.

Ego ferido e escolha de alvo

A escolha do ponto de ataque, portanto, não é aleatória: ela está frequentemente ligada ao motivo psicológico subjacente à violência. O agressor procura atingir a área que, na sua percepção distorcida, vai gerar o maior sofrimento emocional, porque está relacionada àquilo que alimenta a autoestima ou representa a ofensa ao seu ego.

Essa dinâmica pode ser observada em diferentes contextos:
  • Estupros ou lesões genitais: em casos de infidelidade suspeita.
  • Desfiguração facial: socos, cortes ou queimaduras no rosto para “destruir a beleza” da vítima.
  • Ataques às mãos: comuns em situações de artistas ou profissionais que dependem delas, simbolizando a destruição do trabalho ou talento.
  • Agressões à voz: estrangulamento ou ferimentos na garganta em casos de vítimas que “falaram demais” ou se manifestaram contra o agressor.
Relevância para a perícia forense

A análise da seleção de alvo simbólico é fundamental no contexto pericial para a compreensão correta das dinâmicas psicológicas envolvidas. Ao documentar e interpretar os locais e padrões de lesão, o perito não só descreve o dano físico, mas também identifica a intencionalidade psicológica do agressor.

Isso pode fortalecer o entendimento da motivação, o enquadramento jurídico (por exemplo, qualificando um crime como feminicídio ou tentativa de feminicídio) e a construção de medidas protetivas adequadas.

Para isso, é necessário:

  • Registrar detalhadamente a localização e a extensão das lesões.
  • Correlacionar o padrão de ataque com o contexto emocional e relacional do crime.
  • Investigar se o ponto atingido tem relação direta com o motivo alegado pelo agressor ou percebido pela vítima.
  • Integrar informações de avaliação psicológica e psiquiátrica do agressor para entender a ligação simbólica do alvo.

Portanto para a perícia forense, compreender essa dinâmica é crucial: o mapeamento do padrão de lesões e sua relação com a motivação psicológica do agressor contribui para a qualificação jurídica correta, a formulação de medidas protetivas mais eficazes e o desenvolvimento de estratégias preventivas.

Mais do que documentar hematomas ou fraturas, é necessário reconhecer que cada golpe pode carregar uma mensagem simbólica — uma tentativa de destruir o que a vítima representa para o agressor.

Assim, ao integrar avaliação psicológica, investigação criminal e interpretação simbólica dos alvos, a ciência forense amplia sua capacidade de revelar não apenas “como” a violência aconteceu, mas “por que” ela ocorreu.

E é nessa intersecção entre a análise objetiva e a compreensão profunda da psique criminosa que se encontra o caminho para uma justiça mais precisa e efetiva.

FAQ – Perguntas mais Frequentes

  1. O que são dinâmicas psicológicas na violência de gênero?
    São padrões mentais e emocionais que influenciam o comportamento do agressor, como narcisismo, ciúme patológico, repressão sexual e projeção de raiva.
  2. Como o narcisismo perverso pode influenciar um agressor?
    O narcisismo pode gerar ciúme extremo e reações violentas diante de ameaças ao ego, como rejeição ou traição percebida.
  3. O que é projeção de raiva em figuras femininas?
    É quando o agressor transfere raiva ou frustração acumulada com figuras do passado, como a mãe ou ex-parceiras, para a vítima atual.
  4. Como a repressão da identidade sexual pode levar à violência?
    A tensão interna causada por desejos reprimidos pode ser descarregada violentamente contra vítimas que simbolizam tais conflitos.
  5. Qual a importância do rosto como alvo de agressão?
    O rosto simboliza identidade e autoestima. Agredir essa área visa humilhar, desfigurar e atacar psicologicamente a vítima.
  6. Existe simbolismo na escolha da área do corpo atacada?
    Sim. Locais como rosto, genitais, mãos e garganta podem representar aquilo que o agressor deseja destruir na vítima.
  7. Qual o papel da psicologia forense nesses casos?
    Investiga as motivações psíquicas por trás da violência, identificando padrões e auxiliando na correta qualificação jurídica do crime.
  8. O que é aniquilação simbólica?
    É a destruição do outro como tentativa inconsciente de eliminar aspectos internos indesejados do próprio agressor.
  9. Como a perícia deve atuar nesses casos?
    Deve documentar detalhadamente lesões, identificar padrões e integrá-los com avaliações psicológicas para entender motivações e traços simbólicos.
  10. Por que integrar psicologia e direito na violência de gênero?
    Para compreender não apenas os atos, mas os motivos, oferecendo justiça mais eficaz e medidas preventivas mais adequadas.

Escritora científica pelo ORCID (Open Researcher and Contributor ID)
Identificação Internacional, 0009-0001-2462-8682

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