Afinal, o quê ou quem realmente morreu?
Luto de um Pai – Uma dúvida importante, pois, recentemente passei por perdas muito significativas e dolorosas em minha vida, a perda da minha avó e do meu pai.
As sensações e os sentimentos que acompanham o momento exato da morte, são tão únicos, estranhos, que ao entrar no processo que denominamos de luto, uma pergunta muito importante surge: afinal, o quê ou quem realmente morreu?
Esta resposta não é tão óbvia quanto parece. Minha avó, aos cem anos, completou um ciclo de vida bem bonito e se foi com serenidade. Meu pai, um homem forte, íntegro e corajoso enfrentou uma luta mais difícil e dolorosa, antes de descansar. E a enfrentou com dignidade.
No momento exato da morte, embora saibamos qual é o corpo que está sem vida, percebemos também que algo dentro de nós, os que sobrevivem, vai aos poucos morrendo.
E o que morre em nós, quando uma figura tão importante quanto é a de um pai se despede? E aqui, vamos refletir sobre questões muito interessantes, e usarei minhas vivências recentes também.
Para entender melhor o que é um pai dentro de um contexto familiar, basta relembrarmos algumas imagens intrigantes como as dos momentos de brincadeiras com as crianças.
Enquanto a mãe cerca a criança de jogos educativos, brincadeiras mais seguras e controladas, vemos os pais de outro lado jogando a criança para cima, correndo com ela, balançando.
Meu pai mesmo, adorava levar eu e minha irmã para aventuras na mata que ele apelidava de mundo perdido.
Através desses exemplos simples, podemos perceber que as funções familiares são e devem ser diferentes.
Enquanto a mãe é aquela figura que nos direciona para a compreensão de vivências interiores, o pai será aquele que nos projetará para o mundo e o exterior.
Essas forças atuam em equilíbrio, por isso é de se esperar que a criança até certa idade seja muito apegada a mãe, pois está entendendo os sentimentos e sensações, se reconhecendo.
Durante muito tempo o mundo da criança será apenas ela e sua mãe.
Por isso a figura do pai é tão importante, ele será aquele que irá romper essa ligação mãe e filho, mostrando a criança que existem outros e o encorajará a enfrentar o mundo.
Para romper essa ligação, o pai deve tranquilizar a mãe e dar segurança a criança.
E quando digo romper, é algo saudável. Pois é muito fácil que a ligação amorosa entre mães e filhos, dependendo das condições se torne uma relação muito simbiótica e prejudicial.
Por isso é tão comum vermos crianças correndo ao som de uma mãe gritando “não corre, senão vai se machucar”, e ao cair, normalmente os pais dizem “levanta, já vai passar”.
Assim, de um lado temos uma força materna que nos ajuda a saber ponderar, e do outro uma força paterna que nos incentiva a arriscar.
Embora muito se discuta hoje sobre o papel do homem e da mulher, em relação aquilo que é socialmente construído, o fato é que percebemos muitos aspectos intrínsecos a cada natureza.
Deveríamos ter mais conhecimento e aceitação sobre isso para usarmos a nosso favor e principalmente a favor da família que se pretende construir ou manter.
E essa família pode ser hétero normativa ou homoafetiva, e até mães e pais solos, desde que seus membros saibam o real significado das funções maternas e paternas e as façam com equilíbrio.
Meu pai, um homem sem instruções acadêmicas e sem ser nenhum estudioso da psicologia, uma pessoa com muitos erros, mas cheia de acertos, sabia a sua função paterna.
Ele soube transmitir a mim e a minha irmã força e coragem para fazermos coisas e irmos para lugares que talvez ele próprio tivesse medo, e nos proveu não apenas com recursos, mas também com valores para traçarmos nossa jornada.
E, nessa jornada, caminhávamos com certa segurança pois a qualquer momento podíamos olhar e ele estava lá para dar o suporte e o apoio. Assim, quando pergunto quem ou que realmente morreu, parte da resposta é realmente essa referência.
Para onde olhar agora e encontrar a força, a potência que transmite a segurança nos passos de cada dia?
Bom, essa resposta veio da minha irmã, mais velha. Que também sabe a sua posição e função familiar, carregando todos os ônus e poucos bônus dessa função de primogênita. Ela me disse “agora, é olhar para dentro”.
Nada como a sabedoria dos que nos antecedem, irmãos mais velhos, pais, mães, avós…
E me dei conta que morreu em mim a busca no olhar do meu pai pela aprovação, em sua voz por orientação, a busca no seu sorriso pela realização. Essa busca no referencial externo havia morrido. Essa busca agora deveria ser interna, pois sou parte dele.
E fico triste porque muitas pessoas não conseguem fazer essa transição, mudar o referencial, pois homens que não entendem a importância de sua função paterna, e simplesmente abandonam seus filhos.
Filhos que não sabem quem são os pais e sequer possuem o nome dos mesmos em seu registro. Isso é muito grave. Eles perdem o referencial externo e consequentemente não haverá a construção interna dessa força.
E não estou dizendo que essas pessoas não serão fortes, mas a vida com certeza fica mais difícil e a sensação de vazio é presente. Falta algo.
Meu pai nunca me faltou, mas agora ele fará falta. Desde a Bíblia até a psicanálise, entre outros estudos, sabemos que somente quando deixamos (no bom sentindo) os nossos pais e mães é que realmente crescemos.
Mas este é um processo no qual todos têm que estar prontos. Os filhos têm que ser preparados para avançarem, e os pais, preparados para permitirem.
Crescer é um fenômeno natural, assim como a morte, talvez o fenômeno mais natural de todos.
Porém, mesmo sendo natural e esperada, a morte surpreende e nunca estaremos preparados para esse momento, pois além de perder alguém que amamos muito, também perderemos algo em nós que não saberemos exatamente o que será.
No meu caso morreu a busca externa, o referencial visível e palpável, morreu uma parte da criança interior que ainda queria ser guiada pelas mãos e ouvir histórias e conselhos.
Mas, não deixo morrer a alegria e a esperança na vida que sempre se renova, pois, se uma parte minha também se despediu, uma outra parte dele tem que renascer em mim, com amor, gratidão e felicidade.
E você? De qual parte sua já se despediu junto com alguém que amou muito?
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