Mães Reborn

Mães Reborn

Um olhar forense do fenômeno Reborn sob a ótica da psicologia e do risco social

Mães Reborn representam um fenômeno crescente que levanta questões profundas sobre afeto, dissociação e risco psíquico-social.

No silêncio de berços ocupados por bonecos de silicone, pulsa uma maternidade simbólica que, por vezes, escapa aos limites da saúde mental.

O fenômeno dos bebês Reborn teve origem nos Estados Unidos na década de 1990, quando artistas especializados começaram a criar bonecos hiper-realistas a partir de técnicas de pintura e modelagem detalhada. Uma das pioneiras desse movimento foi a artista Judy Chicago, embora a popularização e o desenvolvimento das técnicas de “reborn” tenham se consolidado principalmente por artistas como Donna Rubert e Linda Murray.

O objetivo inicial era oferecer uma ferramenta terapêutica para mulheres que enfrentavam perdas gestacionais, infertilidade ou transtornos relacionados à maternidade, proporcionando um objeto simbólico que pudesse auxiliar no processo de luto e elaboração emocional.

Esses bonecos passaram a ser utilizados também em terapias para pessoas com demência, mostrando o potencial do realismo e do vínculo simbólico para diversos contextos clínicos.

Com o passar dos anos, o uso dos bonecos Reborn ultrapassou os limites da proposta terapêutica inicial e passou a incorporar dinâmicas psicológicas mais complexas, nem sempre adaptativas. Observou-se, em alguns contextos, a consolidação de vínculos substitutivos intensos, nos quais o objeto inanimado assume funções simbólicas de um filho real, deslocando para ele afeto, cuidado e expectativas projetivas.

Em avaliações forenses, esse tipo de vínculo tem sido associado a quadros clínicos com componentes dissociativos, mecanismos de defesa regressivos e perturbações no processamento simbólico do luto. A relação entre o sujeito e o bebê Reborn, quando estruturada fora do ambiente terapêutico supervisionado, pode operar como fator de reforço para estados de negação persistente da realidade e evitar a elaboração psíquica de traumas afetivos.

Há, portanto, uma transição de um uso potencialmente restaurador para um padrão de manutenção da dissociação, com implicações clínicas e sociais relevantes. Em termos forenses, a identificação de tal padrão exige atenção às condições psicossociais da usuária, à frequência de interação com o objeto e à possível substituição de vínculos reais por vínculos simbólicos fixos — um deslocamento que, quando crônico, pode configurar risco à integridade psíquica e ao funcionamento adaptativo do sujeito.

Durante as primeiras aplicações dos bebês Reborn como ferramentas auxiliares em intervenções terapêuticas, especialmente em contextos de luto perinatal, infertilidade ou demência, era fundamental que sua utilização fosse acompanhada por um suporte psicológico qualificado. A supervisão profissional visava justamente estabelecer um limite simbólico entre o objeto terapêutico e a realidade objetiva, prevenindo a constituição de vínculos patológicos.

Esse limite era essencial para evitar o colapso da distinção entre realidade e fantasia, pois, dado o hiper-realismo desses bonecos, havia risco considerável de que indivíduos em estado de vulnerabilidade emocional pudessem estabelecer vínculos regressivos de substituição que comprometem o juízo de realidade.

Nos contextos atuais, marcados pela ausência de orientação profissional e pelo reforço de dinâmicas pseudocomunitárias em redes sociais, observa-se a banalização do uso dos Reborn como mecanismos substitutivos permanentes, dissociados de qualquer finalidade terapêutica consciente.

Muitas dessas mulheres, expostas a vulnerabilidades neuropsicológicas prévias, como quadros ansioso-depressivos, lutos mal elaborados, transtornos dissociativos ou até efeitos prolongados de neuroinflamações silenciosas (como discutido na neurociência criminal), passam a projetar afeto, cuidado e responsabilidade parental sobre o objeto com intensidade que compromete o senso de realidade.

A pessoa não apenas interage com o boneco como se fosse um bebê — alimentando-o, registrando certidão de nascimento fictícia, levando-o a consultas pediátricas imaginárias — como também manifesta reatividade emocional intensa quando confrontada com a afirmação de que aquele “filho” não existe.

Esse fenômeno revela a ruptura entre representação simbólica e reconhecimento da materialidade do objeto. A mente, fragilizada por um contexto afetivo ou neurobiológico adverso, encontra no Reborn não apenas uma válvula de escape, mas uma construção dissociativa que proporciona alívio à custa da desconexão com a realidade objetiva.

A psicologia forense entende esse deslocamento como sinal de comprometimento das funções superiores de integração psíquica, especialmente quando associado à baixa tolerância à frustração, mecanismos de negação rígida e ausência de crítica à própria conduta. Pela ótica da neurociência criminal, tal comportamento pode ser lido como manifestação de um circuito de recompensa alterado, no qual o contato com o Reborn reforça padrões neurais de segurança e afeto, suprimindo a leitura racional e crítica do real.

A indiferença ou até agressividade diante da tentativa externa de nomear o boneco como “objeto inanimado” — por exemplo, ao ouvir “isso é só um boneco” — revela não apenas apego simbólico, mas possível estruturação de um delírio encapsulado ou de um surto prolongado e funcionalizado socialmente.

Trata-se de um quadro em que a neurovulnerabilidade se alia à permissividade sociocultural para instaurar uma realidade paralela legitimada subjetivamente, mas descolada do contexto objetivo, abrindo espaço para riscos psicossociais relevantes.

Do ponto de vista da psicologia forense, há indícios de que essa prática pode se constituir como fator de agravamento de estados psíquicos frágeis, ao invés de atuar como contenção emocional.

A substituição da realidade por uma fantasia estruturada, mantida rigidamente como verdade interna, pode induzir ao isolamento social progressivo, à erosão das habilidades adaptativas e ao afastamento da crítica da realidade — elemento central para o funcionamento psicossocial saudável.

Um dos riscos mais latentes é a desorganização dos vínculos interpessoais reais. Indivíduos que desenvolvem dependência afetiva em relação ao Reborn frequentemente demonstram comportamento evitativo em relações familiares, afetivas ou parentais reais, substituindo a complexidade dos vínculos humanos pela previsibilidade emocional de um objeto inanimado.

Essa substituição compromete o desenvolvimento de empatia genuína, a reciprocidade emocional e a capacidade de tolerar a frustração — características essenciais para o convívio social.

Além disso, sob a lente da criminologia clínica, há risco de que esse tipo de dissociação seja catalisador para condutas de risco ou mesmo para o desenvolvimento de delírios funcionalizados, especialmente em contextos de reforço coletivo em grupos virtuais.

A internet , particularmente por meio de redes sociais e fóruns de “maternidade Reborn” , funciona como espaço de validação e manutenção da dissociação, criando microambientes de incentivo ao delírio compartilhado.

Isso se aproxima do fenômeno psiquiátrico conhecido como folie à plusieurs (loucura a vários), que, em sua manifestação moderna, encontra no ambiente digital o terreno fértil para surtos coletivos com aparência de normalidade.

O fenômeno conhecido como folie à plusieurs (loucura compartilhada por vários) foi originalmente descrito na psiquiatria clássica como um transtorno psicótico induzido, no qual um delírio é compartilhado entre duas ou mais pessoas, geralmente ligadas por relações afetivas intensas, isolamento social e uma assimetria de autoridade (como o “indutor” e os “receptores”).

Hoje, porém, a neurociência criminal e a psicopatologia contemporânea reformulam esse conceito à luz dos processos de vulnerabilidade cerebral combinados à hiperexposição digital.

No caso das “mães Reborn”, o que temos é uma vulnerabilidade psíquica pré-existente — como luto não elaborado, transtornos de apego, histórico de abuso, neuroinflamações silenciosas ou transtornos de personalidade — que atua como substrato neural propenso à distorção da realidade.

Essa base é exposta, de forma contínua, a conteúdos altamente afetivos e simbólicos, veiculados em redes sociais que validam emocionalmente essa prática, intensificam a dissociação e induzem à repetição do comportamento como forma de pertencimento.

Do ponto de vista neurocientífico, três elementos são centrais:
  1. Desregulação do eixo hipotálamo-hipófise-adrenal (HHA)

O estresse crônico, o trauma psicológico e até inflamações cerebrais de baixa intensidade alteram a liberação de cortisol e dopamina, impactando diretamente áreas como a amígdala, o hipocampo e o córtex pré-frontal — estruturas críticas para julgamento de realidade, processamento emocional e inibição comportamental. Isso cria um terreno fértil para aderência a realidades alternativas, especialmente quando há reforço social positivo.

  1. Reforço dopaminérgico via circuito de recompensa social

Ao postar fotos, relatar o “cotidiano” com o bebê Reborn e receber curtidas ou comentários que validam o comportamento, ocorre liberação de dopamina no núcleo accumbens, promovendo sensação de aceitação, pertencimento e prazer.

Esse reforço contínuo molda o comportamento e substitui gradativamente os vínculos reais pelos simbólicos.

  1. Ativação de redes neurais empáticas e motoras de imitação (neurônios-espelho)

Ao observar outras mulheres vivendo uma maternidade simbólica (mas relatada como real), o cérebro das receptoras ativa os circuitos de empatia e imitação, reforçando a noção de que aquilo é legítimo e desejável.

Isso é particularmente exacerbado em indivíduos com traços borderline, dependência emocional ou estruturas de ego instáveis. O que era delírio de uma, torna-se fantasia partilhada de muitas — e, em casos críticos, delírio psicótico induzido.

Essa combinação cria um gatilho neuropsicológico coletivo, no qual o simples contato repetido com conteúdos simbólicos intensos (vídeos de mães cuidando dos Reborn, “consultas pediátricas”, “aniversários”) atua como fator de indução ao delírio.

O cérebro vulnerável começa a perder as fronteiras entre fantasia e realidade não por escolha, mas por incapacidade neurofuncional de distinguir os níveis de representação simbólica — agravada, como mencionamos anteriormente, por processos inflamatórios discretos, desbalanço de neurotransmissores e reforço ambiental constante.

A consequência é um surto não explosivo, mas programado, persistente e socialmente aceito — o que o torna ainda mais perigoso, pois passa despercebido do ponto de vista jurídico, clínico e pericial, mas produz efeitos reais nas condutas, nos vínculos e, eventualmente, em casos extremos, no discernimento legal da pessoa.

A crescente substituição de vínculos afetivos reais por vínculos simbólicos com objetos hiper-realistas, como os bebês Reborn, representa um fenômeno preocupante do ponto de vista da saúde mental individual e da saúde social coletiva.

Quando essa substituição ocorre em indivíduos emocionalmente vulneráveis, o risco extrapola o sujeito e alcança terceiros — especialmente as crianças reais que eventualmente convivam ou venham a conviver com essas figuras adultas.

Nas relações parentais reais, a maternidade e a paternidade exigem constante elaboração emocional, resiliência e adaptação a estímulos frustrantes. A criança real manifesta necessidades, desejos contrários, crises de birra, oposicionalidade e comportamentos que desafiam as estruturas cognitivas e morais do adulto.

Esse processo, embora exigente, é também essencial para a construção de vínculos empáticos, para o desenvolvimento da autoridade afetiva e para a transmissão de valores sociais. Ou seja, educar uma criança é, antes de tudo, um processo dialético e intersubjetivo de construção moral — muitas vezes frustrante, mas inevitavelmente real.

A inserção do bebê Reborn como substituto emocional interfere diretamente nessa construção. Ao fornecer ao adulto uma “criança” passiva, maleável e esteticamente idealizada — que não contraria, não frustra e está sempre disponível para projeções afetivas unilaterais — o adulto é exposto a uma experiência parental artificial, narcísica e sem reciprocidade simbólica.

A neurociência do apego já demonstrou que a tolerância à frustração é essencial para a empatia e o vínculo saudável, sendo construída justamente nos momentos em que o adulto precisa conter ou educar a criança, mesmo quando isso não gera uma resposta imediata positiva.

Esse deslocamento do afeto para uma representação artificial da criança reduz a capacidade do adulto de lidar com a alteridade infantil e pode levá-lo a idealizar relações parentais totalmente dissociadas da realidade.

Assim, caso venha a ter um filho real, a comparação com o bebê Reborn — silencioso, obediente e “perfeito” — pode intensificar reações de impaciência, rejeição ou até hostilidade em relação à criança real.

A psicologia do desenvolvimento reconhece esse processo como um potencial fator de risco para negligência afetiva, abandono emocional e até práticas punitivas desproporcionais.

Além disso, sob a ótica da psicologia moral, um sujeito com déficit de internalização ética — que não desenvolveu valores de alteridade, respeito e empatia — terá dificuldades em assumir a tarefa educativa como missão formativa. Educar não é impor regras de forma automática; é sustentar limites, argumentar, frustrar, conter, insistir — mesmo diante da resistência.

Pais que buscam na figura do bebê Reborn uma “paternidade estética” ou “maternidade simbólica sem esforço” demonstram, segundo a neuropsicologia forense, déficits de amadurecimento moral e dificuldades de regulação emocional, o que configura um perfil de risco para a parentalidade real.

Neuroinflamação e psicose persistente: uma hipótese etiológica para delírios prolongados

A neuroinflamação, caracterizada pela ativação crônica das células da glia (principalmente microglia e astrócitos) e pela liberação sustentada de citocinas pró-inflamatórias, tem sido cada vez mais reconhecida como um fator central na fisiopatologia de diversos transtornos psiquiátricos, incluindo a psicose persistente.

Estudos demonstram que níveis elevados de marcadores inflamatórios, como interleucina-6 (IL-6) e proteína C-reativa (PCR), estão presentes no sangue e no líquido cefalorraquidiano de indivíduos com primeiro episódio psicótico e esquizofrenia crônica .

Essa inflamação cerebral pode ser desencadeada por diversos fatores, incluindo infecções virais, estresse psicossocial crônico, traumas e, em casos raros, reações adversas a vacinas. Por exemplo, há relatos de psicose de início recente após a vacinação contra COVID-19, sugerindo uma possível ligação entre vacinas de mRNA e vetores virais com o surgimento de sintomas psicóticos .

Embora esses casos sejam raros, eles destacam a necessidade de monitoramento cuidadoso de sintomas neuropsiquiátricos após a vacinação.

No contexto das “mães Reborn”, é plausível considerar que uma neuroinflamação subjacente possa contribuir para a manutenção de delírios persistentes, nos quais o indivíduo acredita que o bebê Reborn é real.

Essa condição pode ser exacerbada por fatores como isolamento social, reforço positivo em comunidades online e predisposições genéticas ou psicológicas.

A ativação contínua da microglia e a liberação de citocinas pró-inflamatórias podem interferir na neurotransmissão dopaminérgica e glutamatérgica, resultando em alterações na percepção da realidade e na manutenção de crenças delirantes .

Além disso, a neuroinflamação pode afetar a integridade da barreira hematoencefálica, permitindo a entrada de células imunológicas periféricas no sistema nervoso central e perpetuando o ciclo inflamatório.

Esse processo pode levar a alterações estruturais e funcionais no cérebro, incluindo redução do volume do hipocampo e do córtex pré-frontal, áreas críticas para a regulação emocional e o julgamento da realidade .

Diante disso, é fundamental que indivíduos que apresentam comportamentos dissociativos persistentes, como a crença na realidade de bebês Reborn, sejam avaliados clinicamente para investigar possíveis processos neuroinflamatórios subjacentes.

A identificação e o tratamento precoce dessas condições podem prevenir a progressão para transtornos psicóticos mais graves e melhorar a qualidade de vida dos pacientes.

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    Identificação Internacional, 0009-0001-2462-8682
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Karol Cestari

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