Em 2015 palestrando sobre o tema “Existe vida após a perda?” no 1º encontro de Mães enlutadas de Curitiba, após algumas reflexões surgiu o questionamento: existe ex-mãe? Pergunta incômoda e profunda. Como responder a esta questão? A resposta não poderia vir de textos científicos, menos ainda do senso comum. Então, nada mais correto do que buscar, justo entre mães que passaram pela triste experiência de perder um filho, a inquietante resposta para esta pergunta.
A morte de um filho é considerada a pior dor que uma pessoa pode sentir. Sem dúvida, é uma dor inominável, tão desconexa com a realidade, tão fora de propósito que nem mesmo um nome foi pensado para dar aos pais que perdem seus filhos. Perder um filho não é apenas perder uma pessoa a quem muito se ama. Significa abandonar sonhos, frustrar desejos, não ter mais a possibilidade de um futuro que se projetou desde o início da gravidez. Esta perda inverte a ordem cronológica natural, segundo a qual os pais devem morrer antes de seus filhos. E assim a fantasia de continuidade de sua própria existência fica abalada: sem filhos não haverá netos e a imortalidade pensada possível, através de seus sucessores, fica comprometida.
O período de luto não pode ser definido em termos de quanto deve durar; nem se baseia em algo do tipo “engole esse choro e vai cuidar da tua vida”; mas, por vezes, alguns acontecimentos da vida impõem ao enlutado um período curto para o entendimento e a aceitação da sua nova situação. Rose comenta que logo após perder a filha Francine, descobriu-se grávida, já de 7 meses, “não tive tempo para o luto porque tinha que fazer pré-natal. Difícil era ir até o hospital para fazer o pré-natal porque pra mim a Fran estava lá. Eu me agarrava a isso também”. A notícia de uma nova gestação junto à perda de um dos filhos pode tanto ser percebida como uma benção, posto que uma nova vida vem para trazer alegria à família, mas pode também ser fonte de preocupação quando a mulher não se sente apta a cuidar de um recém-nascido.
“Eu falo que eu não tive tempo pro luto. Um mês depois que o Dyoni foi morar com Deus, eu me vi em uma casa sozinha, porque nessa altura eu já não tinha marido, (…) comecei a trabalhar porque tinha que sustentar a mim e minha filha” reflete Maria de Fátima. Muitos são os casos em que a perda de um filho, um período prolongado de doença em que a mãe tem que se dedicar aos cuidados deste filho, ou ambos, são o detonador de crises conjugais que, em grande parte dos casos, termina em separação do casal. Além da perda do companheiro, se não trabalhava fora, a mulher precisa assumir também a função de mantenedora do sustento da casa, havendo menos espaço para a vivência inicial do luto.
Joelma comenta que não teve o apoio que esperava do ex-marido “porque desde o início de tudo (tratamento) quando a gente começou a ir para Curitiba, eu não tinha apoio de pai (…) só que ele era um pai atencioso e carinhoso com Egli, mas sei lá, acho que ele ficava aborrecido porque eu saía, não sei. (Após a perda do filho) ele sofreu bastante, ele emagreceu muito, mas eu acho que a gente não soube preencher aquele vazio, nós dois se unindo cada vez mais. A gente se separou cada vez mais, ficou cada um com seu sofrimento isolado”. E, ao final, assim como Maria de Fátima, o fim do casamento foi inevitável.
O luto é um processo subjetivo, que diz respeito a cada indivíduo e que precisa de espaço, de ser respeitado e acolhido. Andréia comenta que “tirou forças de sua mãe, porque via que se abaixasse a cabeça, sua mãe iria ver e se aborrecer”. Fez-se então de forte e desde que o Higor partiu, há um ano, busca superar a perda do filho, apoiando-se na premissa de que precisa estar bem para ser suporte à sua mãe, que acompanhou todo o tratamento do neto. Quanto às filhas, sabia que se desabasse, “elas teriam o apoio dos pais, (…) olhava para a minha mãe e via que se eu não me esforçasse, quem iria desabar era ela. Então, algumas vezes esperei a noite para chorar”. Encontrou seu apoio oferecendo apoio, o que por vezes também é visto em pessoas enlutadas que procuram hospitais, asilos ou orfanatos para realizarem um serviço voluntário na tentativa de obterem para si uma amenização de sua dor.
Para muitas pessoas, a fé, a religião em si ou apenas a crença em Algo Maior é o que traz alento nos momentos de perdas. Gracilaine reflete que “perder o Lucas foi uma das coisas mais difíceis da minha vida…uma das coisas não, a coisa mais difícil da minha vida. Só que eu logo de início vou dizendo que Deus foi muito bom comigo porque Ele me preparou para isso. (…) o que me dá mais força é saber que Deus me ajudou nessa hora tão difícil da minha vida. Ele me permitiu estar com ele (o filho) até o último momento, até o último suspiro”. Também considerado Deus como o apoio principal, Rose afirma que já “sendo evangélica, se apegou muito a Deus”. Também foi na fé e na religiosidade que Nilcimari foi buscar consolo e respostas para sua dor: “mas foi unicamente no invisível, o qual não podemos ver, mas pode nos ouvir, que encontrei todas as respostas. (…) eu me joguei inteiramente nos braços do Criador…Deus me preencheu de tal forma, me senti amada, cuidada, especial”. E buscou na fé explicações para todos os seus porquês e relata que hoje sente saudades da filha Maria Laura sim, mas sem sofrimento.
Em muitos momentos, a família – os outros filhos, pai e mãe, irmãos e outros parentes próximos, torna-se o ponto de apoio para a superação da dor. Eriane comenta que teve “o suporte da minha família, de amigos, da família do pai dele . (…) Ainda está sendo assim, conto com o apoio dos filhos, amigos e familiares”. Completa: “A religião também foi importante na superação. Sou católica praticante”. Mas, apesar do suporte da família, confessa que passou por um momento de grande tristeza, “demorou para que eu saísse desta depressão. Porém, o meu pequeno R. precisava de mim. A custo comecei a ir ao psiquiatra e psicóloga”, evidenciando a muitas vezes presente necessidade de acompanhamento profissional especializado. Voltou a trabalhar para ajudar no processo de superação do luto, viaja com os filhos, mas sempre sentindo muita falta de Junior e desejando que ele pudesse estar junto, aproveitando os passeios.
Até aqui acompanhamos a caminhada destas mulheres de fibra, mães guerreiras e o caminho por cada uma percorrido na busca de superação da dor de perder um filho. Evidente que não é um caminho fácil. É uma estrada com muitos obstáculos a serem vencidos. E, no caso de acompanhar um filho com uma doença grave, a morte pode vir a ser encarada como um cessar do sofrimento? E se há esta aceitação, é mais fácil lidar com a perda? Estas perguntas e a resposta inicialmente proposta no início da matéria – existe ex-mãe? Serão o conteúdo desta coluna na próxima semana. Aguardo vocês.
Namastê!