O homem e suas potencialidades são visíveis no devir de uma criança.
No que condiz o devir de uma criança? Quando precisa compreender a potencialidade do homem, o ser, encontra-se longe de sua essência.
Mundo interconectado. Na aparência, vivem uns com os outros, mas na realidade, vivem apenas “perto uma das outras”. Quando uma relação é estabelecida, um fenômeno une essas pessoas.
Uma espécie de substância invisível e misteriosa, organiza a relação, as vezes de forma consciente, outras inconscientes. Realmente, uma inter-relação une o homem ao homem, como une o mesmo às coisas.
O homem é algo difícil de explicar. Quanto mais o estudamos, quanto mais se revela sobre certos aspectos de sua humanidade, mas difícil parece ser a possibilidade de compreendê-lo ao todo em sua essência.
O homem é muito mais do que aparenta, tanto como ser social quanto indivíduo. Nele encontramos algo impossível de ser reconhecido, demonstrado. Algo que escapa a toda ciência de pesquisa: uma ânsia de liberdade e tudo a que a ela se prende.
Quando o homem descobre enquanto ser-no-mundo, por trás da fachada de sua personalidade, vai de encontro a realidade de seus impulsos, de sua verdade em si, encontra o divino oculto em si mesmo, sempre procurando manifestar-se.
No livro Apócrifo de Tomé, o autor diz: “O Reino de D’us está dentro de vós e está fora de vós”. Não se pode viver em essencial num mundo envenenado pela desconfiança mútua, pela inveja, pela maldade, ele põe de lado o verdadeiro eu.
Nesse lugar de opressão, o prazer vital cede às preocupações, ao pessimismo e à indiferença. Na sociedade atual, não é o ser bom a maior das virtudes, mas o ser útil! Só o que é útil tem o valor merecido.
Essa mentalidade vai se generalizando e passa a ser uma verdade aceita e prática. O que nos chama a atenção e nos leva a essas páginas é uma provocação acerca da realidade do existir do homem no mundo moderno.
Podemos dizer que a culpa desse estado de coisas, em grande parte pode ser atribuído a certas teorias que afirmam ser os impulsos dos homens, reflexos de suas condições primitivas.
Essas teorias e crenças, acredita que em essencial, tudo o que é bom no ser humano, com o avançar da sociedade tecnocrática, passará. Um ato de bondade, abnegação, é sempre praticado por interesses ou estímulos eróticos, e jamais pelo simples sentimento de bondade ou mesmo, alteridade.
Hoje, verificamos pouco respeito dispensado ao homem quando as pessoas são julgadas por outras pessoas. A bondade e compaixão parecem ausentes. Perdidas a léguas!
Observa-se mais. Aprende-se mais, conecta-se mais, espia-se mais, mais e mais informações são disseminadas sem freio ou respeito. O que é justificado nessa ação é o descortinar de um mundo “objetivo” e “acessível”.
Contudo sem limites e freios. No clarear dessa efemeridade, se revela o egoísmo, egocentrismo, do alta da vaidade e superestima, o homem, de modo geral, não compreende como está indissoluvelmente ligado aos outros homens.
Perdeu-se a atenção desinteressada na vida cotidiana e atenção ao ser do outro. O grande valor que se atribui a si próprio, as suas conquistas, trabalhos, capacidades, diplomas, etc., desmerece o lugar da amizade, fraternidade e compaixão.
Apenas quando o dinheiro ou poder não alcança o êxito esperado, é que o homem percebe seu desamparo. Percebe que toda sua riqueza, capacidade e instrução, não vale a vida que perdeu pelo seu próprio eu.
“Do que adianta ao homem ganhar todo o mundo todo e perder sua vida? ” – Pergunta o mestre Jesus.
Nesse lugar de desamparo e solidão, o homem poderá refletir que o seu trabalho e seus deveres não dependem exclusivamente dele. Nesse vazio que se alastra a alma, pode compreender a sua interdependência dos demais, sua ligação com as pessoas.
Para viver bem, o homem precisa ter respeito por tudo quanto vive, pois é do respeito e de uma perfeita avaliação de valores que um indivíduo tira sua força vital! Sem isso, a vida perde todo o sentido, e o indivíduo vê-se reduzido a si mesmo. Vazio e solitário!
O respeito diante dos outros seres, no comportamento, nas palavras, nos atos, nos gestos. Estabelece uma distância natural entre as pessoas, não permitindo agressão ou desrespeito. A criança de hoje pode refletir no amanhã de uma nova geração modelada no respeito mútuo:
“Ensina a criança o caminho que ela deve andar, para que não se desvie ao crescer!” (Provérbios 22:6)
Na criança estão as sementes de todas as virtudes, de todas as forças. Na sua obstinação encontramos a futura tenacidade e firmeza de caráter; nas suas peraltices o bom humor, a desinibição, o desembaraço, a capacidade de vencer os perigos do mundo!
“Eu lhes asseguro que, a não ser que vocês se convertam e se tornem como crianças, jamais entrarão no Reino dos céus”. (Mateus 18:3)
A potencialidade do Homem no ser de uma criança
Como dissemos anteriormente, é desse ir, que o homem precisa vir, ao encontro de si. Nesse ir ao encontro de sua essência, na busca de suas potencialidades, o adulto se perde nesse caminho de utilitarismo e solidão.
O retorno ao caminho da essência primordial do ser é possível, quando o homem se volta para si e se percebe enquanto uma criança. Nesse universo simbólico, de contrariedades e opostos, ele se descobre novamente como potência geradora.
Na criança encontramos um impulso natural para o respeito à criatura humana. Os adultos, através do comportamento, das atitudes inconsequentes, das mentiras, dos gestos antipáticos é que conseguem matar na criança o respeito por si mesma e pelos demais.
Muitas vezes ditamos à criança as nossas vontades, sem pensar no que isso provoca. A teimosia imediatamente resultante, é a resposta da criança ao nosso comportamento inadequado. A força da criança tem como base a sua capacidade de dizer “não”, resoluta e energicamente.
Quando a criança é ensinada a não ferir o costume do respeito mútuo, ela também participa do respeito, sentindo-se em tal ambiente, mais feliz e mais livre.
O não pode ser um instrumento de ajuste e limitação, enquanto a falta de limites e compensação material, um investimento em mesquinharia e futuros psicopatas!
Mas para isso, os pais, os responsáveis precisam compreender que o respeito diante dos outros seres, seja no comportamento, nas palavras, nos atos, nos gestos, tudo isso; estabelece uma relação construtiva e prazerosa.
Quando o ser de uma criança influi no ser de um adulto
Tenho três lindos filhos. Um de 23 anos, outro de 19 anos e meu caçula de 10 anos. Criar filhos não é fácil. Muitos me consultam e me perguntam: qual é o seu segredo para filhos tão ajustados e educados?
Meu segredo será divulgado hoje: Não medi esforços nem me entreguei a preguiça ao educar!
Para alguns, meu grande segredo pode ser um tanto decepcionante. Mas somos nossa história! Não há uma bula ou mecanismo automático prontos aos acertos. No desafio de ser mãe, precisei humildemente entender o que é ser humana!
A criança deve ser tratada como um adulto de tamanho reduzido ou em perspectiva. Ela deve ter atenção, ser respondida antes suas indagações, ser respeitada e ensinada a dignidade.
A criança vive o que presencia. Uma criança se impressiona tanto com a calma, quanto com os gritos, agressividade e falta de respeito. Não se ensina uma criança a não mentir, pedindo para ela atender ao telefone dizendo que não está!
Vê-se frequentemente pais que, em momentos de bom humor e satisfação, brincam, agradam e satisfazem todos os caprichos dos filhos.
Quando, entretanto, estão de mau humor, zangam-se pelos mesmos motivos que outrora gozavam alegria. Esse desacordo é danoso. Confusa, a criança se desorienta e fica sem saber como se conduzir para obter agrados e carinhos. Desta forma, aparecem o medo, a dúvida, a indecisão, etc.
Criam-se complexos que influirão por toda a vida da criança, inclusive enquanto adulto. Pais desajustados trazem a criança em constante inquietação e temor, levando-a ainda a tomar aversão a tudo que implique disciplina.
Uma criança registra mentalmente tudo que ouve e que vê das impressões desagradáveis que experimentaram. Essas impressões são arquivadas no subconsciente, dando origem à instabilidade nervosa.
A criança, por ter um espírito de observação permanentemente alerta, desenvolve sua personalidade por meio dos sentidos. Por ser curiosa, pergunta tudo o que vê.
Futuramente, com o desenvolvimento da inteligência e do raciocínio, observará menos e pensará mais. A curiosidade infantil é a manifestação de um instinto maravilhoso impresso pela Natureza em sua alma – o instinto de aprender, de saber, de conhecer.
Por isso a preocupação tão comum em nossos dias, de se preocupara apenas com o futuro econômico não deve sobrepor as essências do ser desta criança.
Sendo a infância o lugar dessa descoberta para a essência do ser, a criança precisa de espaço para desenvolver os sentidos e a inteligência; ser iniciada na civilidade da arte de viver no mundo, instruí-la, em objetivos altruístas e equilibrados, para que ela se descubra e encontre sua pertença.
O Devir da infância – Um adulto enquanto ser
Como a existência material não é para o homem senão a condição da obra moral, os filhos precedentes, por mais nobres que sejam, aparecem-nos apenas como secundários.
O dever dos pais não deve se limitar a dar ao filho um corpo são e cultivar-lhe o espírito; é a cultura da vontade que deve visar o principal esforço.
A criança deve ser colocada o mais cedo possível em condição de bastar-se a si mesma, isto é, de alcançar o processo de autonomia e liberdade.
Sem dúvida a criança deve ser guiada e auxiliada, enquanto frágil e inexperiente está exposta a má orientação e ao erro.
Mas essa tutela deve ser dada por finda no dia em que a criança possa tomar a iniciativa de qualquer ato humano e arcar a sua plena responsabilidade. Alcançar esse lugar no mundo é tornar-se ser-no-mundo.
Quando os pais conferem se essa missão de “ensinar a criança o caminho que ela deve andar”, foi bem-sucedida, se podem outorga-las a liberdade de ser-em-si, sua descendência será eternizada.
Uma educação emancipadora inicia a uma vida moral. Não de moralidade ou mesmo moralismo. Mas de equilíbrio para tomada de decisões e condutas sociais com alteridade e responsabilidade.
Os princípios que atuarão sobre a vida desse ser-no-mundo são construídos na infância. Desprezar esse ponto capital é correr o risco de ver a obra inutilizada. Não nos faltam exemplos desastrosos e frequentes na história e na família.
Quem há que não tenha visto a tristeza de tantos pais que, depois de tudo terem consagrado à instrução e bem-estar de um filho, assistirem mais tarde, impotentes, ao desmoronar de sua obra?
A criança possuía todas as qualificações para o êxito: mas ninguém se lembrou de verificar se a “base” que a deveria sustentar nas horas difíceis era bastante forte para afastá-la dos perigos e faze-la suportar com bravura os embates da vida?
A que atribuir a responsabilidade desse erro? À preguiça paterna? À escola? Ao Estado? À ignorância? À sociedade alienada?
A quem incube, de direito, a educação normal da criança?
Queremos finalizar nosso artigo com essa provocação sem pretensão de esgotar o assunto. Estamos abrindo uma passagem dialógica para uma reflexão e possíveis alternativas na construção de uma sociedade mais digna e responsável.
Para isso iniciamos nossa reflexão sobre o que é o homem, como se tornou esse homem, que lugar foi fundamentado para tal e como poderemos eternizar nossa descendência a partir de uma mudança de caráter radical, ou permitirmos o fluxo desse rio poluído e sem sentido atual?
A interrogação que finaliza nossa reflexão, longe de concluir, traz à memória que aos pais foram outorgadas obrigações especiais sobre a educação e pertença dos filhos.
Eles devem garantir os direitos básicos da criança de cuidar do corpo, uma alimentação saudável, lazer, saúde, esportes, cuidar do seu desenvolvimento. Além de garantir o respeito e afetos imprescindíveis a sua saúde mental.
Além disso, a criança deve ser cuidada e instruída a adquirir a vontade forte, capaz de ampará-la por toda a vida. Essa vontade poderosa chama-se: autodomínio, confiança em si mesma, a base, enfim, para uma ação educativa eficaz.
As crianças são os futuros cidadãos do país, são os futuros pais e mães e serão, por sua vez, educadores dos seus filhos. Encarnam a esperança da nossa velhice e precisam tornar-se bons cidadãos e bons pais.
De modo geral, os pais se limitam simplesmente a conviver com os filhos, confiantes em que tudo se resolva por si mesmo. Faltam objetivos claros e um programa definido.
Os pais devem saber exatamente como querem educar seus filhos. Devem determinar claramente suas aspirações a respeito. A criança de hoje é um futuro cidadão, um indivíduo, um ser-no-mundo que participará ativamente na vida social.
Se educarmos mal o prejuízo não será apenas nosso, mas do país. Assim, é mister que um novo sistema de educação seja levado à efeito. O homem é produto da sua educação e vida social, a cultura, a moral – tudo pode ser transformado quando o elemento humano recebe uma educação adequada.
“Chegou a hora de entendermos que somos todos seres humanos iguais neste planeta. Quer desejemos ou não, precisamos coexistir.” (Dalai Lama)
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