Search
Close this search box.

O sentido do Natal está dentro de nós

O sentido do Natal não é mais o mesmo, a cada dia novos significados são reinventados criando novas subjetividades.

Em tempo de tantas crises existenciais, talvez possamos ressignificar o valor e sentido do Natal, em vez do materialismo viciante, para de fato, o que está dentro de nós, achar lugar aprazível.

Era minha data preferida! Família reunida, mesa farta, primos e tias distantes se faziam presentes, a árvore do tio Toninho, a cada ano estava mais incrível, vovó Maria e suas delícias completava o cenário da piscina cheia de alegria. Eu apenas desejava ganhar uma Emília.

Em plena década de 80, meus pais estavam separados, minha mãe acometia por um câncer agressivo. Havíamos perdido tudo! Os natais cheios de presente foram trocados por cheio de presenças, mas jamais nos faltou alegria. Bem, pelo menos para mim!

Enquanto criança, nosso coração festeja a vida, e quando conhecemos histórias como a de Jesus, seja cantada nos corais, seja nas decorações e tantos outros lugares, nossa nostalgia só aumenta. Era essa alegria por uma memória que marcava nossos encontros.

Não era apenas a ideia de um menino D’us, mas de tudo que Ele havia feito por nós. Mesmo sem merecermos, seu Pai O havia enviado como um presente que nos faria filhos Seus, nos daria Sua Salvação. Orávamos pedindo para que Jesus nascesse em nossas vidas todo natal.

Mas essa festa não durou muito. Celebrávamos o sentido do natal cristão. Mas não foi esse sentido que perpetuou em nosso meio. Lembram de meu desejo? Sim, o da Emília! Ele foi realizado. Uma de minhas primas ganhou uma enorme, era quase do meu tamanho, e eu um dedoche, de Emilinha.

Esperei que ela esquecesse a sua boneca e fantasiei uma brincadeira em que a Emília grande tinha uma Emilinha imaginária, como se um duende, e ali fiquei a noite toda… Nem papai, nem mamãe estavam ali naquele dia… E quase que esquecida, dormi debaixo daquela bela árvore de natal.

Pela manha minha avó me acordou e a zoação foi total. Todos estavam cheios de presente e eu apenas com um dedoche. Bullying já era comum naquela época! E cascudo, foi pouco por ter pego a boneca de minha prima.

Esse foi meu último natal em “família”. Passei a odiar bonecas e não queria mais lidar com toda aquela humilhação e indiferença. Não combinava com a história das cantatas.

Ainda pequenina, eu compreendia que o amor ao próximo estava acima de palavras e presentes, e eu queria apenas compartilhar de sonhos. Isso também me fora proibido. Passei a sonhar sozinha.

Com o passar dos anos, as letras se tornaram meus amantes. Em minha busca pelo sentido da vida me deparei com muitas histórias cantadas e outras não. E percebi que hipocrisia é contexto humano, mas não precisamos aderi-lo como via de regra em nossas vidas.

Percebi que o natal é todo dia, pois nascemos e morremos a cada instante, e o sentido que damos à existência é muito maior que o bem que acumulamos. Conheci e contei muitas histórias como a de Jesus. Confesso que mesmo sabendo que Ele não nasceu em dezembro, sua memória ainda me encanta e seduz.

Não era a história de um menino rei, cheio de poder e ostentação que me chamava atenção. Mas a história de um menino rejeitado, gerado de forma imaterial, inumana, sem lugar, filho de uma mulher pobre e pai que não sabia o que fazer. Bem perto de quem se considerava gerada por uma cabeça de repolho.

Foi neste lugar incólubre que eu me encontrei, neste local vazio e de rejeição, a oportunidade de ressignificar minha existência. E assim, segui os passos deste grande mestre que um dia nos presenteou com sua história de resiliência e amor.

Natal, ou dia de nascimento não é uma data que se escolhe. Mas ela pode ser celebrada quando encontramos um sentido. Para os antigos, era data importante, pois neste dia seria determinado um gênio que nos acompanharia por toda a vida.

Não é de se estranhar, que os romanos pós-cristãos, escolheram a data do dia 25 de dezembro (solstício de inverno no hemisfério norte), como data de celebração ao mestre Jesus.

Comparado a Mitra, deus das religiões de mistério antigo, Jesus foi implantado no cristianismo como símbolo do Sol Invictus, invencível, e não foi por acaso.

Mitra era considerado pelos antigos como distribuidor de energia vital, associado ao infinito, ele se encontrava com os vivos e dava sentido a suas existências. Ele nascera em um rochedo, por isso seus seguidores sacrificavam nas lápides.

Simbolizava a regeneração física e psíquica pela energia do sangue (vida) e pelo sol. Nascido da rocha, era chamado para combater todas as forças do mal e fazer triunfar a pureza, a verdade e a fraternidade entre os homens.

Jesus, Mitra, Dionísio, Hórus, Attis, Khrishna, são substantivos para identificar qualidades daqueles que de fato fazem a diferença na existência: Luz do mundo; Salvador; Filho de D’us; Cordeiro de Deus; Alfa e ômega; Bom pastor; A verdade; Rei dos reis, dentre tantos outros adjetivos.

É certo que, aos mais tradicionais, esse comentário poderá trazer certa contrariedade. E não é nossa intenção! Não estamos falando que Jesus era mesmo que estas personagens, muito menos questionando a veracidade de sua existência ou santidade.

Queremos recordar, que muitas tradições posteriores aos cultos de mistérios, trouxeram caracteres idênticos às celebrações da antiguidade.

Todas essas celebrações aspiravam sensibilizar e conscientizar seus adeptos quanto a um lugar de paz, de fraternidade, onde os homens encontrassem uma oportunidade de realização como uma sociedade justa e eficaz.

Hoje, mais do que nunca, precisamos trazer a memória, o que nos traz esperança. Toda nossa trajetória pode ser desconstruída e reconstruída. Somos nós que escolhemos que caminho seguiremos pelo sentido que daremos a este.

Não escolhemos nosso natal. Não pedimos licença para virmos ao mundo. Mas a partir do momento que estamos aqui, cabe-nos escolher entre autocomiseração ou resiliência.

Neste momento em que todo o globo se conecta nesta energia, podemos dar as mãos e redefinirmos novos passos conjuntos por um mundo mais sustentável e saudável. Se o reino de D’us está dentro de nós, e é imprescindível a ação coletiva, um passo pode ser determinante à essa construção.

Falamos de paz, mas paz é abstrata. Não podermos predeterminar o imaterial. Logo, nossas ações imortalizarão ou não uma ação pacífica. São nossas escolhas, nossas ações que promulgaram esse lugar de mudança.

A Emilinha foi um divisor de água na minha existência púbere. Foi essencial para que eu pudesse escolher este lugar e ressignificar o sentido daquele gesto de aparente relação de poder e pseudo-humilhação.

Com o passar dos anos, descobri junto aos Africanos que não estive sozinha em minha história. Foi lá que me converti ao amor ao próximo de forma incondicional. Foi lá que percebi que matéria é temporal e que a graça do existir pode transformar e de fato ser sustentável e eficaz.

Um lugar de muitas privações, mas de grandes realizações. Minha Emilinha era um luxo, que muitos jamais se dariam. Construí muitas bonecas. Fui chamada de uma. E percebi, que é possível ser mais do que ter, e ainda assim, não deixar de ser grata e feliz.

Jesus continua sendo meu grande ídolo. Não me importo quando Ele nasceu. Que bom que Ele nasceu! Assim como eu, seja cabeça da cabeça de repolho, ou oriunda de meus pais, fato é; não foram eles, nem serão outros que farão minha história. Sou grata a Maria, a José, ao burrinho, e a manjedoura.

Na minha insignificância a estrela brilha e guia, seja na rocha ou no capim, um lugar que é somente meu, e essencial para que a magia do incenso, do ouro e da mirra, sejam tudo que eu precise, para seguir em paz e feliz nesta jornada.

E que assim seja você: que haja sentido e vida em ti!

Da amiga de sempre,

Chris Viana

Picture of Chris Sturzeneker

Chris Sturzeneker

Compartilhar

Facebook
Twitter
LinkedIn
Email
Telegram