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O Tempo - Heloisa Kishi

O Tempo

Tic-tac incessante do relógio me deixa imensamente estressado

O Tempo – Desde pequeno esse barulho me irritava, mas sem entender, minha mãe quase me obrigava a ir até a casa do vovô.

Faça companhia ao seu avô. Dizia ela. – Não sabemos quanto tempo ainda lhe resta. Quem sabe você não consegue extrair coisas boas daquela cabecinha cansada dele.

Mesmo sem vontade, eu ia, afinal obedece quem tem juízo. Esse era um ditado muito falado pelo meu avô.

Meu nome é Pirilampo, meu apelido Alfredo Augusto dos Santos.

Não inverti. Eu adotei o meu nome, pois todos me falavam que eu era a luz do dia para eles. Nasci de uma mãe desconhecida, fui abandonado na porta dessa que hoje chamo de mãe, aos cinco anos, sem nome e sem registro.

Como todos que me diziam que eu era a luz deles, me dei esse lindo nome.

Logo, minha mãe adotiva, amorosa e delicada, me levou ao cartório para me dar um registro e um nome, inventando uma data de nascimento, já que eu não saberia dizer qual seria.

No registro digo que está o meu apelido, pois veio depois do nome que escolhi.

Minha mãe, Amélia dos Santos, solteira e sem filhos, me adotou, me amou e me ensinou tudo que ela sabia, mas sentindo que era pouco, me encaminhava, sempre com uma bandeja de quitutes, para visitar o vovô Augusto dos Santos, para que eu questionasse o que quisesse, à guisa de aprender mais.

Vovô já bem velhinho, mal entendia o que falava, mas era amoroso feito a mamãe. Eu o amava.

O que não gostava da casa dele era aquele relógio enorme na parede, com o tic-tac incessante. Me fazia doer a cabeça e quando saia para voltar à casa da mamãe, o tic-tac me acompanhava e ficava comigo me irritando.

Um dia perguntei ao vovô se o barulho não incomodava, e ele me olhou incrédulo, respondendo:

Menino, o relógio faz esse barulho para avisar que o tempo está passando, você não sabia que esse é o modo dele falar conosco?

Aquilo me incomodou. Achei que o meu vovô já não batia bem da cabeça, de tanto ouvir aquele barulho infernal.

Fiquei muito tempo pensando, se realmente o relógio falava. Se eu não estava entendendo o que ele falava, mas o vovô certamente sabia.

Então resolvi que pediria a ele para ensinar a linguagem do relógio.

Atazanei a cabeça dele, até que um dia ele resolveu que me ensinaria.

Desceu o relógio da parede, colocou na mesa e pediu que eu buscasse algumas ferramentas.

Intrigado obedeci e observei.

Naquele momento, um silêncio se fez, Até fiquei com medo, me arrepiei todinho.

Olhei para o meu vovô que, compenetrado no que fazia, abriu a caixa de vidro do relógio, companheiro dele de longa data.

Vi algumas lágrimas nele, então falei baixinho:

Vovô, se for sofrer, não precisa me explicar nada. Deixa-o badalar na parede.

Ele me olhou sério, como quem pedisse silêncio. Aquele era um momento solene, de despedida e pedido de compreensão com aquele que o acompanhou por muitos anos. Quando ninguém mais o visitava.

Enfim ele disse, muito sério:

Meu neto querido, que Deus me trouxe de longe, para amenizar meus dias, alegrar minhas horas, me trouxe esperança, pois já não via os minutos antes da próxima visita sua, antes de você esse amigo me fez muita companhia.

Chegou a hora dele descansar, silenciar esse barulho que lhe irrita tanto, vou fazê-lo descansar. Vou desligar o coração dele. Ele será eternizado nas nossas lembranças.

Colocou a ferramenta e retirou do relógio um rubi, única joia nele instalada. Aquele rubi era o coração do relógio, sem ele o relógio dormiria para sempre.

Um tanto aliviado pelo silêncio sem o tic-tac, um tanto apreensivo por tê-lo silenciado, observei o semblante do vovô, mas parece que junto com o relógio, o silêncio do vovô seguiu, ele não falou mais nada também, olhar perdido, sempre direcionado ao horizonte, disse calmo e simples:

A minha hora chegou, vá para a casa de sua mãe, siga em paz, o tempo dirá o que hoje não entende. Vá meu neto, vá, luz dos meus dias idos. Porque vou me descansar.

Muitos anos depois, o garoto que era luz de todos na redondeza cresceu, pensou e entendeu. O relógio era a alma do vovô e sem um o outro não viveria.

Mas, na derradeira sabedoria do bom velhinho, essa era a única maneira dele ensinar ao garoto, o significado da amizade, do companheirismo e da compreensão, que ao sentir o incômodo do garoto perante o barulho do relógio, e não querendo que o garoto se distanciasse dele, resolveu silenciar o amigo de muitas datas, tendo ele mesmo silenciado, para não emitir o som da tristeza pelo ato necessário.

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Heloísa Kishi

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