Como a Força e Resiliência de uma Mulher Analfabeta Construiu uma Vida de Sucesso e Transformou a Realidade de Sua Família
Sabedoria iletrada – Dona Marta transformou desafios em conquistas, educou seus filhos com dedicação e, mesmo sem ler, construiu um legado de amor e resiliência.
Conheci dona Marta quando trabalhei como recenseadora no censo de 2010 e realizei o recenseamento com os moradores da rua onde ela residia, que aliás, era bem próxima da rua onde eu mesma morava.
Apesar de até então não a conhecer, aquela senhora havia sido tão simpática, que naquele dia a entrevista se estendeu e se tornou uma conversa boa, e depois de um tempo em que passei eventualmente a visitá-la, em uma amizade sincera e muito valiosa para mim.
Dona Marta havia nascido em uma pequena cidade do interior do nordeste e depois de se casar, ainda bem jovem, decidira juntamente com o marido, vir para São Paulo. Dona Marta era analfabeta, mas tinha dentro dela a força de vontade e coragem que só as pessoas fortes e resilientes possuem.
De família numerosa, sua vida havia sido muito difícil até então e, portanto, pensava que ainda que a vida na cidade grande trouxesse diferentes desafios, tinha a certeza de que com trabalho e fé, junto com o esposo, superariam todos eles.
Vontade de trabalhar não lhe faltava e tinha saúde, com planejamento conseguiria com esforço se organizar e oferecer seus préstimos aos vizinhos. E assim ela fez e passou a lavar e passar roupas para algumas famílias do bairro, aquele era o ofício que aprendera ajudando a mãe a quem auxiliava no cuidado dos 12 irmãos.
As duas, mãe e filha, a beira do rio, batiam as roupas nas pedras e as colocava no sol para “quarar”.
Com muito esforço, depois de um tempo dona Marta agregou um bom número de clientes, que elogiavam seu trabalho e o classificavam como “bem feito e caprichoso”, e foi assim, que mesmo sem ter o domínio das letras e números ela se virava e através de luta e trabalho duro ajudava o marido no sustento da casa e dos três filhos que a essa altura já formavam a família.
Conversar com dona Marta era maravilhoso. Ela me contava histórias de como fazia para evitar desperdícios, separando as peças sujas e a quantidade de sabão necessária para cada trouxa de roupas e também da misturinha que havia inventado, de sabão e bicarbonato para deixar as camisas mais brancas e da estratégia que utilizava para conferir as notas de dinheiro, observando a cor até com a ajuda do marido adquirir um pouquinho de conhecimento do sistema monetário e conseguir contar.
E finalmente de como trabalhava direitinho e entregava roupas limpas e bem passadas, até chegar a época em que teve que dispensar clientes de tanto que era procurada.
Eu me encantava com a alegria com que ela me contava as histórias, que ao meu ver eram de muito sacrifício e renuncias, imaginava aquele tempo em que dona Marta, ainda jovem, carregava as trouxas de roupa pra lá e pra cá, lavando e passando, quase o dia todo.
Um trabalho custoso como ela mesmo dizia, mas que haviam forjado uma mulher forte e cheia de esperança.
Lavava as roupas cantando, ela me contava, esse costume havia aprendido com a mãe, lá no sertão, ainda pequenininha, enquanto trabalhavam juntas e entoavam as “cantigas de trabalho” e as havia ensinado também aos filhos, que pequenos, a rodeavam no tanque porque gostavam, diziam eles, de sentir na mãe o cheirinho de sabão.
E nesses momentos eu pedia, e ela entoava algumas daquelas canções que falavam de maneira poética da labuta diária da dona de casa, sua voz ainda vigorosa ecoava pela casa e eu só consigo descrever como paz, o sentimento que pairava no ar.
De todas as histórias que me contou, a história mais bonita de todas e que eu sempre pedia que repetisse, era a de como havia educado os filhos, hoje adultos e formados. Contava que quando crianças, os ajudava na hora de fazer a lição.
Dizia que mesmo cansada, todas as noites, se sentava com eles e os ajudava.
Eu então perguntava como ela havia feito aquilo se não sabia ler e nem escrever…
E ela respondia com tranquilidade: que era verdade, que não tinha leitura, mas sabia dizer se a letra estava bonita ou feia e também incentivar que caprichassem mais.
Resultado? Dois filhos professores e o caçula advogado. Filhos amorosos que depois da morte do pai, cuidavam da mãe na velhice.
Aqueles filhos não haviam tido uma mãe letrada, mas uma mãe exemplar que dava a eles o que tinha de melhor, sua dedicação e presença amorosa.
– A senhora foi uma grande empreendedora, eu dizia a ela.
Dona Marta corava e ria feliz, não entendia o significado da palavra “empreendedora”, mas sabia que era coisa boa… dizia ela, com um brilho lindo no olhar.
Dona Marta havia sido sim uma grande empreendedora, construindo uma vida digna, com trabalho duro e muita dedicação, trabalhando, buscando soluções com resiliência, dando o melhor de si, principalmente aos seus filhos que se tornaram seu maior e mais bem sucedido empreendimento.
