A mulher ao longo de sua trajetória tem vivido inúmeras formas de violência. A violência simbólica se perpetua como uma dessas formas, quando permitimos a continuidade desse abuso de poder.
Ao me deparar com os índices assustadores de violência à mulher, não hesitei em utilizar este espaço a uma breve reflexão.
Nos apercebemos quanto às mudanças ocorridas no contexto ocidental contemporâneo; das conquistas quanto ao lugar da mulher na sociedade.
Essas mudanças são passíveis de considerações, são de caráter progressivos e visíveis em algumas esferas de poder. Porém esses dados não minimizam os impactos destes dados reveladores.
Por outro lado, a taxa de homicídios contra mulheres no país aumentou 8,8% entre 2005 e 2015, segundo o estudo Mapa da Violência 2015 – Homicídios de Mulheres, produzido pela Flacso (Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais), divulgado em novembro de 2017.
Entre 1980 e 2013 foram assassinadas 106.093 mulheres, 4.762 só em 2013. O país tem uma taxa de 4,8 homicídios por cada 100 mil mulheres, a quinta maior do mundo, conforme dados da OMS que avaliaram um grupo de 83 países.
Entre 2003 e 2013, o número de homicídios de mulheres passou de 3.937 para 4.762, aumento de 21% no período. (Fonte: Datafolha).
A violência ainda persiste e é vista em todas as instâncias da sociedade; independente de idade, religião, escolaridade, etnia e orientação sexual.
É certo que este panorama de violação de direitos da mulher é mais visível e frequente nas sociedades mais precárias, onde a educação e os índices de desenvolvimento humano estão fundamentados em esteriótipos culturais.
O que não podemos deixar de perceber é que, em relação ao discurso da subjugação da mulher imposto em muitas culturas e religiões, revela o caráter simbólico desta violência. Então quais seriam os reforçadores culturais patriarcais da violência contra a mulher?
Como a religião cristã, em especial nesta matéria, tem marcado a mentalidade de gerações nesta simbologia?
Não podemos deixar de refletir e descrever a partir da Gênese Cristã, da antropologia social e da teologia de gênero, a conotação simbólica dos eventos que envolvem essa dinâmica.
Para compreendermos esse processo e efetivarmos possíveis mudanças, precisamos rever a história.
As sociedades do passado se organizavam e se estruturavam em torno de seus mitos e crenças. Não foi diferente com as sociedades judaico cristãs.
No entanto, referirei mais precisamente neste espaço, às sociedades neotestamentárias, por conta das apologias do novo testamento em relação ao mandamento do amor ao próximo – o resumo e cumprimento de toda a Lei (AT), segundo Jesus Cristo.
Segundo Candiotto (2010), a trajetória do cristianismo se permitiu a partir da construção de uma mentalidade e visão, onde os seres humanos pudessem ser justificados por Códigos morais e papeis sociais que justificasse certa sacralidade.
Na elaboração desses símbolos, a Igreja contribuiu para a subjetivização de símbolos que determinaram lugares e posicionamentos para cada ser humano em uma estrutura social de acordo com a identidade sexual: homem ou mulher.
A ideação antropomórfica construída pelo padrão normativo masculino, na conceitualização de D’us, permitiu-se justificar comportamentos de desvalorização, desprezo e punição; aspectos esses associados diretamente à deidade tribal.
Com isso, historicamente, se construiu ideação sobre o lugar da mulher nos espaços públicos como inferior, insignificante, subalterno. Encontramos nesse lugar se subjugação, o que denominamos de violência simbólica.
Para Boudieu (2002, p. 7-8), a violência simbólica é “suave e insensível às suas vítimas”. Ela se manifesta nas esferas das emoções, dos sentimentos.
O sistema de dominação é sustentado por essa violência e ao longo da história cristã, foi reforçado, mediante a legitimidade e arbitrariedade de muitos patriarcas que sustentaram a propagação desta subjugação da mulher na sociedade.
Percebo, que este processo de subordinação sustentado pelo poder patriarcal, era e é ainda, justificado pela argumentação quanto ao “pecado original”.
Segundo o mito do Édem, Hevah, a primeira mulher de Adam, além de comer do fruto da árvore proibida, ofereceu-o ao seu marido, levando-os à expulsão do paraíso, e a condenação de sua descendência.
No entanto este argumento não sustenta, e muito menos justifica a imagem de um D’us primitivo, autor ou mesmo cúmplice da ideologia da subjugação da mulher. Precisamos separar o que vem de D’us e o que é do homem!
O grande problema do patriarcalismo, pode ser compreendido a partir de seu caráter hierárquico, como princípio de uma organização social e religiosa, que permitiu brechas para efeito de discriminação e exclusão.
Concordamos, no entanto, que a teoria das relações de gêneros existe para mostrar que a imagem de D’us não pode ser atribuída apenas ao imago fálico.
Textos do Antigo Testamento, remontam a imagem de D’us como um ser andrógino. Ao descrever o primor da criação, o Adam Kadmom (homem primordial), o autor do texto bíblico, tanto no Tanach e no Talmud, descreve:
[…] Então D’us criou o homem à Sua imagem, à imagem de D’us Ele o criou”
[…] “…macho e fêmea os criou”. (Bereshit 1:27)
Ao analisarmos a questão da gênese da violência à mulher e possibilitarmos uma analogia com as conotações religiosas, sem maiores preconceitos, este quadro nos parece mais aterrorizante.
Não há espaço para construirmos um panorama histórico descrevendo a dimensão da violência ao público feminino em todas as suas esferas.
Contudo, a teologia que repensa as conotações de vida das mulheres vítimas de violência, poderá contribuir para uma pontuação crítica e contrária a esse comportamento violento, a partir dos ensinamentos de Cristo.
Nele, encontramos ações e denúncias públicas e privadas acerca da hierarquia patriarcal de sua época. Contrariando a muitos, Cristo denunciou a opressão à mulher.
Com isso, trouxe à sua geração a discussão e a possibilidade desta ser valorizada à partir da razão e força de seu existir.
No episódio de João 4, no novo testamento bíblico, lemos o diálogo entre Jesus e a mulher samaritana, onde longe de qualquer preconceito e/ou subjugação, o mestre leva-a a reflexão sobre seu possível lugar empoderamento.
Logo, nas Escrituras neotestamentárias, por mais desejada ser herança do patriarcalismo judaico, não há justificativas nem razão para a opressão da mulher. Apenas nos textos de pontuações judaicas temos as questões culturais e heranças dos tempos tribais.
“Não há (mais diferença entre) homem ou mulher; porque todos vós sois um em Cristo Jesus.” (Galátas 3:28)
Enquanto problematizamos a violência simbólica e prática contra as mulheres, empreendemos conquistas e estabelecemos limites de igualdades e direitos.
Não apenas direitos em relação a gênero, mas ainda ao lugar onde poderemos todas (os) participarmos da justiça e Direitos Humanos.
A luta é grande, mas é possível.
Pelo valor e respeito às mulheres.
Da amiga, sempre
Chris Viana.