Quanto podemos questionar do sentido da religião?
Na contemporaneidade seria possível assumir as confissões ao diabo como agente de D’us?
Conta-nos certo provérbio holandês que um político se recusava a repetir uma reza em seu leito de morte, imposto pelo padre. Ele se negava a renunciar a satanás.
O padre já irritado, perguntou-lhe o porquê desta recusa, e o velho explicou:
“não devemos mexer com o que está em silêncio, até porque não sabemos em que direção iremos após a morte”.
Diante desta cena, resta-nos uma emenda dúvida quanto a satisfação da religiosidade na vida cotidiana das pessoas. Qual seria a verdadeira importância da religião para as massas?
Qual é o valor da crença no diabo e na persona de D’us em pleno século XXI?
Foram quase duas décadas em busca de respostas. Como se em uma cruzada santa, eu e minha antiga equipe do MICAI, sigla esta que resumia nossa “missão apologética cristã”, dividíamos nosso tempo em trabalho, estudos e MICAI.
O amor ao conhecimento era tamanho, que chegávamos a passar horas adentro dos estudos.
Lembro-me ainda hoje, de certo episódio, em que eu e a Renata, a mais fiel da equipe, estivemos cerca de 18 horas sentadas em um escritório mal equipado, com pilhas e pilhas de ensaios e livros, a fim de compreender o mistério da criação.
Quando chegávamos por nós mesmas a alguma conclusão, sem auxílio da internet (estávamos início de 2000, e nosso escritório não contava ainda com bom provedor), era nosso grito de “eureca!”.
Contávamos apenas com dados literários encontrados nas prateleiras pouco conhecidas, de grandes bibliotecas, como as da cidade do Rio de Janeiro, São Paulo e Lisboa.
Ai sim, nossa aventura aflorava! Realmente fizemos loucuras pelo saber!
Muitos me perguntam como tudo começou. Simples. Desde que era uma miniatura de gente. Lembram das minha (des) aventuras na biblioteca do tio maçom?
Haviam muitas perguntas desde então. Não havia mais tempo a perder.
Mas por que então, tanta coisa com o diabo?
Era curioso, que na década de 80, anos estes que marcaram minha infância, apesar da figura do diabo não ser semelhante ao que encontrava nas literaturas medievais, estavam este representado nas possessões dos filmes que marcaram gerações e viraram inclusive lendas.
O exorcista, Poltergeist, Sexta-feira 13, O iluminado, Warlok, dentre tantos, acentuaram minha curiosidade.
O desejo de decifrar entre o real e fantasia era grande, até porque eu queria ficar livre dos “terrores noturnos” que me custavam noites e noites de sono.
O medo sempre foi um referencial motivador em minha vida. Eu sentia tanto medo, que passei a enfrenta-lo. Era minha chance de descobrir se o bicho papão existia ou não.
Mas voltando aos anos 2000, acumulamos muitos dados e percebemos que muitos tratados ocultistas estavam sendo usados em igrejas pentecostais.
Se sabiam disso, nunca descobrimos, mas muito do que era a magia medieval, estava de cara nova, nesses movimentos que chamariam mais tarde de Teologia da Libertação.
Encaramos esse desafio. Precisávamos traçar um paralelo e compreender o porquê da critica aos ocultistas, se as ferramentas eram semelhantes, e a figura do diabo, central nesses rituais de exorcismo (ou libertação)?
A situação estava se complicando cada vez mais, pois os tratados de demonologia com maior conteúdo do inferno, eram escritos não mais por ocultistas, mas por cristãos que teriam sido levados ao próprio inferno para descrever a hierarquia satânica.
Tínhamos mais informação sobre o inferno e seus demônios, que Reino de D’us na Terra!
Tudo isso começou a me incomodar. Os cristãos estavam justificando todo esse frenesi, a um Avivamento. No Seminário, estudando o panorama histórico do deste tema, fiquei ainda mais confusa: o que tinha a ver tanto demônio com avivamento?
Mais uma vez a figura do diabo (ou diabos) estava como tema central. Ao questionar o lugar de D’us junto ao que deveriam ser os seus precursores, me deparei com Nietsche: D’us está morto! (A Gaia Ciência, 2005).
Ora, se D’us está morto, o diabo venceu a guerra? Mais uma descoberta: como criatura de D’us, o diabo jamais o poderia vencê-lo! Como? Diabo, criatura? Não é a Bíblia a réplica do Zend Avesta: não existe dois deuses? A confusão só aumentava!
Este triste fim de uma geração de engano, onde muitos fenômenos que me assustavam já não surtiam efeito tal, me levaram a compreender não mais o diabo como era figurado, mas como um agente de D’us.
Depois de 4375 exemplares lidos, escolhi a Bíblia, afinal, eu havia feito a escolha por Cristo, e desejava conhecer mais desta figura, que realmente feriu o tempo e criou a grande cicatriz na humanidade, que somente viria ser sanada pelo Seu amor.
Meu medo agora havia sido mortificado pelo amor. Não que o diabo tenha deixado de existir, mas seu sentido não era mais o mesmo, logo a razão de tanto pavor, não mais procedia.
Iniciei então a grande missão da minha vida: levar os que me cercam a compreender que o Reino de D’us jamais foi material e que Ele está acima do bem e do mal. Ele criou o Bem e o Mal:
“Eu sou o Senhor, e não há outro; fora de mim não há Deus; eu te cingirei, ainda que tu não me conheças; para que se saiba desde o nascente do sol, e desde o poente, que fora de mim não há outro; eu sou o Senhor, e não há outro. Eu formo a luz, e crio as trevas; eu faço a paz, e crio o mal; eu, o Senhor, faço todas estas coisas. (Isaías 45:5-7)
A primeira palavra יוֹצֵר “Yotser” – formo – deve ser entendida como “Eu sou o formador (da luz)”. E o verbo וּבוֹרֵא “uvoreh” → como “e Eu sou o criador (das trevas) “.
A conotação desses dois verbos não está relacionada às questões ligadas à moral. O mal aqui seria conotativo de irregular, imperfeito, calamidade. Como resultado, consequências de sucessões de escolhas.
Esse criar é diferente do verbo Barah: criar do nada (ex nihilo) encontrado em Gênesis 1.
Ao depararmos ainda com textos do profeta Zacarias 3, versos 1 e 2, temos:
“E ele mostrou-me o sumo sacerdote Josué, o qual estava diante do anjo do SENHOR, e Satanás estava à sua mão direita, para se lhe opor. Mas o Senhor disse a Satanás: O Senhor te repreenda, ó Satanás, sim, o Senhor, que escolheu Jerusalém, te repreenda; não é este um tição tirado do fogo?”
A palavra (שָּׂטָן) tem sentido de adversário e tem relação com o verbo (לְשָׂטָ֖ן) que significa “se opor”. No entanto, o nome pessoal para Satanás na Bíblia Hebraica é significado adicionando o prefixo “o” (ה), mas formar “o Satanás” como em Jó 1:6.
Em ambas as passagens, encontramos a persona de Satanás como um mero acusador, coma função de agir de acordo com a permissão da Deidade.
Nos foge o espaço neste artigo, uma exegese mais aprofundada da questão. Mas sabemos que influências babilônicas tiveram grande papel na elaboração de suas crenças, baseadas na cosmogonia persa do conflito cósmico Ahura Mazda e Angra Mainyu.
Sem contar que a fusão do paganismo com o cristianismo pelo imperador Constantino permitiu um sincretismo ainda maior, que resultou os ensaios e tratados da demonologia medieval.
Mas em pleno século XXI, onde se encontra o diabo? Nesse momento histórico enfrentamos um novo desafio quanto a definição do que um dia veio a ser denominado Diabo, ainda que seja em seu sentido.
Os primeiros cristãos fundamentaram seus preceitos éticos na Lei de D’us: Torah.
Baseado nos 10 mandamentos, a qual atribuíam derivar os pecados, mas resumido por Cristo em apenas dois: Amarás o Senhor teu D’us sobre todas as coisas e a seu próximo como a si mesmo.
Para muitos judeus ainda prevalece a Lei da Torá. Ao cristianismo não procede. Para os islamitas resta a Xariá, resultada do Al Corão e outros textos de Maomé.
Kant discute acerca desses códigos morais em um de seus ensaios, e conclui que:
“Precisamos de leis para regrar nossa sociedade e a gênese do processo civilizatório a partir de um estado de direito; porém alguns conceitos de moral estariam bem distantes da razão […]” (Kant, 1974).
Apesar de dar a entender que matara D’us em seus alguns de seus ensaios, Nietzsche, não mencionava um “assassinato”, mas ressaltava que o deus patriarcal dos judeus, copiados pelos cristãos, responsável pelas leis religiosas, não mais representaria a sociedade contemporânea.
Certas representações e concepções religiosas sempre existiram, originaram-se independente de tradições ou migração dos povos (Jung, 1966).
Os ritos, crenças e mitos, perpetuaram por séculos e ainda hoje encontram sentidos nas mais diversas culturas. O sentido que damos é o que diviniza ou não a deidade ou a forma que cremos.
Hoje a forma que dou ao diabo se restringe à escolha do comportamento humano abusivo e ofensivo. Um espírito não pode ferir a matéria. Mas humanos destroem humanos e deve ser responsabilizado por isso.
Como se não bastassem destruir a si mesmo a partir de guerras e violências afins, destroem a mãe natureza e tudo que poderíamos chamar de D’us, no contexto da criação.
Não é D’us quem castiga ou destrói a criação, e muito menos um arquétipo ou figura demoníaca, mas homens gananciosos e soberbos que, por conta de suas soberbas consomem tudo que chama pelo bem e pela luz.
Penso que esse seria a síndrome de Lúcifer. O portador da luz, a profanou com as trevas do egoísmo e da ignorância.
Rezemos para sobrevivermos! Quem sabe tenhamos respostas?