Uma dor que não tem nome
A morte de um filho infringe as leis naturais da vida e da criação. É como se o relógio do universo, neste momento, girasse ao contrário.
A perda de um filho inverte a ordem natural das coisas e deixa pais órfãos de seus filhos, de seus sonhos e de sua expectativa de perpetuação da família.
Nos últimos dias acompanhamos, com pesar, não apenas a morte de um personagem importante do cenário da comédia e do cinema brasileiro.
Acompanhamos também a perda de uma mãe que gerou, gestou, pariu e teve seu filho tirado de seus braços por uma doença que não tem preferência na escolha de suas vítimas.
A morte do ator e comediante Paulo Gustavo suscitou sentimentos de luto e pesar, não apenas por sua perda, mas porque com sua partida nos tornamos também um pouco órfãos.
Com sua morte, morreu também a Dona Hermínia, de quem todos nos sentimos um pouco filhos em algum momento, pois ela condensa características típicas de todas as mães.
Nesta semana, não apenas a senhora Déa Lúcia perdeu seu filho. Várias mães anônimas ficaram desamparadas com o ataque homicida ocorrido no interior de Santa Catarina. Vidas sem preço tiradas em troca de nada.
No entanto, a morte de um filho não pode ser nomeada, visto que não sendo esperada, não se criou um termo para se referir a ela. Quando se perde um dos pais, torna-se órfão.
Quando a morte é do companheiro, torna-se viúvo ou viúva. Mas a morte de um filho é a dor que não se nomeia.
Essa dor tem endereço, tem rosto, mas não tem nome. Porque ao se perder um filho, morre e sepulta-se junto sonhos de uma vida, projetos, expectativas.
Junto com um filho, pais sepultam a ideia de perpetuação da própria vida, de manterem-se vivos através dos olhos de seus filhos.
Com a morte de um filho, pais sepultam uma parte de si mesmos. Por isso não, essa perda não tem nome porque não pode ser nomeada.
E é uma dor solitária, que cabe apenas àquele a quem foi endereçada. Nesta hora, oferecer a mão, o ombro, os ouvidos e se colocar numa escuta ativa e sincera é o que se pode oferecer ao outro.
Mas um pai ou uma mãe não morrem no momento em que perdem um filho. Ainda que seja único. Isto debatemos, eu e algumas mães, em um encontro de mães que haviam perdido seus filhos, há alguns anos atrás, em Curitiba.
Fato é que não existe ex-pai ou ex-mãe. Ainda que ao preencher um cadastro no RH para contratação tenha que se dizer que não se tem filho para fins legais de benefícios ou salário-família.
Este momento dói, pois, algumas pessoas sentem como se estivessem matando novamente aquele que já partiu. Ou negando que lhe deu a vida.
Perder alguém não é fácil. Menos ainda quando se esperou, gestou, pariu. Mas, infelizmente, essa mesma dor se repete muitas vezes, todos os dias.
Seja da mãe que perde o filho para uma doença, num acidente automobilístico, vítima de uma bala perdida ou de um homicida, na guerra ou para as drogas…
A dor é incalculável. E só a resiliência inata do ser humano, junto com o tempo, é que se encarregam de ir, aos poucos, ajeitando os sentimentos e remodelando a dor da separação em saudade de uma ausência sempre presente.
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