A mulher e sua natureza indiscutivelmente selvagem: uma abordagem junguiana

Segundo Clarissa Pinkola, após estudos minuciosos dos lobos, pode-se perceber várias características psíquicas em comum. Em seu livro Mulheres que correm com lobos – mitos e histórias do arquétipo da Mulher Selvagem, Clarissa compila muitas histórias de várias culturas e diversas partes do mundo para através de uma análise junguiana estabelecer um paralelo entre o comportamento estereotipado das mulheres e o comportamento dos lobos, sendo esse resultado: a Mulher Selvagem. Um ser que todas nós, mulheres, supostamente possuímos dentro de nós, mas que aprendemos a esconder no inconsciente, devido ao machismo social, predominante desde o início da civilização sedentária. 

“Os lobos saudáveis e as mulheres saudáveis têm certas características psíquicas em comum: percepção aguçada, espírito brincalhão e uma elevada capacidade para a devoção. Os lobos e as mulheres são gregários por natureza, curiosos, dotados de grande resistência e força. São profundamente intuitivos e têm grande preocupação para com seus filhotes, seu parceiro e sua matilha. Tem experiência em se adaptar a circunstâncias em constante mutação. Têm uma determinação feroz e extrema coragem. No entanto, as duas espécies foram perseguidas e acossadas, sendo-lhes falsamente atribuído o fato de serem trapaceiros e vorazes, excessivamente agressivos e de terem menor valor do que seus detratores. Foram alvo daqueles que prefeririam arrasar as matas virgens bem como os arredores selvagens da psique, erradicando o que fosse instintivo, sem deixar que dele restasse nenhum sinal. A atividade predatória contra os lobos e contra as mulheres por parte daqueles que não os compreendem é de uma semelhança surpreendente.” (ESTÉS, 2002, p.7)

No trecho acima, a autora cita algumas das semelhanças que pôde observar em seu estudo analítico sobre as duas espécies. Estranhamente, seu estudo tem certa lógica. É um livro sobre a mulher que habita o interior da inconsciência de toda mulher, aquela mulher que clama pela liberdade na natureza, que almeja quebrar os grilhões sociais que ao longo dos séculos lhes foram impostos; aquela mulher que quer correr livre pelos prados, sem olhar para trás, apenas seguindo em frente, enquanto o vento lhe corta a face. De forma mais palpável, aquela mulher que rejeitou um casamento arranjado para escolher alguém que amasse; ou aquela mulher que publica no séc. XVIII, época em que não permitiam o acesso feminino às escolas, um manifesto em defesa do ingresso das mulheres em escolas elementares; ou, simplesmente, aquela mulher que pela primeira vez abandonou um parceiro em defesa da vida própria ou dos filhos, rebelando-se pela primeira vez contra seu dono, sendo caçada e perseguida, como um animal peçonhento que merece ser morto. A mulher que faz isso está sob o domínio e influência de um poder que nos foi tirado, porque nos obrigaram a reprimi-lo: a Mulher Selvagem.

É isso que Clarissa apresenta nesse livro: a Mulher Selvagem, as maneiras como ela se manifesta e como ela é importante para a plenitude do desenvolvimento social feminino. Está longe de ser um livro de feminismo radical estereotipado, a maioria dos contos deixa clara a importância do papel masculino no desenvolvimento desse poder feminino. É na verdade uma obra para ser lida por todo Homem que almeja conhecer a essência feminina.

A abordagem junguiana baseia-se, resumidamente falando, na ideia de que o “eu” é uma rolha, boiando no mar infinito do inconsciente. Desse modo, a mulher consciente é apenas uma partícula da mulher selvagem, adormecida no inconsciente.

A autora traz a análise de histórias que falam do despertar feminino, da busca por independência, da recuperação da fé no amor, do encontro do amor verdadeiro, da busca pelo equilíbrio da psique etc… Mas fala, principalmente, da dualidade feminina. A dualidade da mulher que confunde tanto os homens e que representa a vida e a morte, há que se possuir as duas coisas, pois há aspectos que devem viver e há aqueles que devem morrer.

Esse livro realmente conduz as mulheres ao autoconhecimento e os homens à descoberta de como encontrar a mulher ideal. Indico essa leitura que faço e refaço, de tempos em tempos.

Conhecer o íntimo, conhecer a psique pode ser o segredo para uma vida equilibrada e plena.

(…) quanto mais aptos formos a tornar consciente o que é inconsciente e o que é mito, maior parcela de vida integraremos.” Carl Gustav JUNG

 

ESTÉS, C. P. Mulheres que correm com os lobos: mitos e histórias do arquétipo da mulher selvagem. Rio de Janeiro: Rocco, 2002.

Rândyna da Cunha
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