O processo de adultização das crianças ocorre pela mídia de consumo e as mães reproduzem práticas na mesma direção.
Muitas mães, empolgadas com a beleza e a graça de suas meninas, as colocam, muito cedo, disponíveis ao fantasioso namoro infantil. Manifestam seu desejo junto às amigas que tem filhos “fofinhos”, ao comentarem o relacionamento de afeto observado entre os pequenos. As mães dos meninos reforçam, muitas vezes, a vontade das amigas e assim começa um entendimento distorcido do sentimento espontâneo de amizade vivido entre crianças.
Campanha iniciada em 05 de abril, pela Secretaria de Assistência Social do Amazonas, com o lema “Criança não namora. Nem de brincadeira” alerta para o tema, conscientizando os pais e responsáveis por relacionamentos infantis sobre a erotização precoce das crianças. Mobiliza escolas, comunidades, psicólogos e pais contra a exploração infantil. Apoiada pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) atingiu, em poucos dias, mais de 111 mil curtidas, 493 mil compartilhamentos e 7 mil comentários no Facebook, o que demonstrou o interesse pelo tema. (1)
Luiz Coderch, psicólogo da Secretaria, indica que a ideia de namoro causa confusão nas crianças que estão entrando na etapa escolar, de socialização e de desenvolvimento afetivo. Elas necessitam descobrir o que é a amizade em suas primeiras relações fora do ambiente famliar. A construção de relacionamentos saudáveis, no futuro, terá como base o respeitar ao outro, dar e receber carinho, atenção e companheirismo a serem aprendidos, nesta fase, entre os 5 e os 9 anos. (2)
Relatos recebidos e publicados no referido artigo, evidenciam a erotização e adultização precoce. Fato narrado por uma professora de que as crianças de quatro anos aguardam o intervalo para beijar na boca, e, outro relato em que uma mãe, cuja filha recebeu pedido de casamento, através de carta da mãe de um coleguinha, ao procurar a escola para narrar o fato, ouviu da diretora: “quem mandou ter uma filha bonita?”, ilustram distorções, tanto de crianças quanto de adultos sobre o que sejam relacionamentos infantis.
Dany Santos, parceira na Campanha, professora e autora do “Quartinho da Dany” (3), desde 2008, reflete sobre maternidade e infância, buscando conscientizar os pais para que abandonem os comportamentos automáticos. Usa provocações bem signiticativas, segundo minha opinião, para que eles reflitam sobre suas práticas. Em relação ao assunto do namoro entre crianças, ela escreveu: “Criança não namora. Criança se relaciona com os amiguinhos, e eles são simplesmente amigos. Amizade é o nome. Insistir em namoro na infância é adultizar as crianças, incentivar a erotização precoce!”.
Junto ao processo de adultização, muitas mães glamorizam suas filhas. No Aulete Digital (4) encontramos o significado desse verbo: “tornar atraente, encantador, glamuroso. Apresentar, a partir de uma visão idealizada, romântica; tratar ou entender (algo) como se fosse glamoroso, especial.”
Não há efeitos danosos quando as mães têm uma visão romântica em seus relacionamentos, porém tudo é uma questão de intensidade. Se o grau for muito extenso e seus comportamentos forem frequentes nessa direção, seus filhos sofrem as consequências, como objetos, na idealização da realidade e na troca por um cenário de fantasia onde tudo é feito para encantar e tornar atraentes as crianças aos olhos das demais pessoas.
As meninas são as mais vulneráveis, antes da adolescência – fase em que poderão se rebelar ao buscar autonomia. Porém, na infância, elas embarcam, facilmente, nas fantasias criadas pelas mães que reforçam as atitudes glamorosas, influenciadas pela mídia de consumo, e, os comportamentos dos adultos.
Os meninos ficam um pouco mais livres da glamorização, mas muitos deles demonstram o processo de adultização em seu vestuário, ao se portarem como “homenzinhos”, quando acatam crenças do tipo: “homem não chora” e ao serem pressionados para que escolham a mesma profissão do pai. Também poderão entrar na ciranda do namoro precoce fantasioso criado pelas mães.
A menina, quando é mencionada como bonita entre os amigos da família, atrai olhares e elogios, desde pequenina, como uma princesinha, e, isso deixa a mãe e o pai vaidosos, podendo fazer com que reproduzam práticas que acelerem o término da infância de sua filha.
A educadora sexual Maria Helena Vilela indica, em seu artigo O que acontece com as meninas? que a “mudança de comportamento coincide com a liberdade que as mães dessas meninas conquistaram. De herança, elas já deram o poder às filhas. E, imitando as mães, essas meninas podem pular fases importantes.” (5)
No processo educacional, é essencial trabalharmos a afetividade e a expressão emocional. As famílias devem acompanhar e participar do desenvolvimento emocional das crianças e adolescentes, assim como costumam zelar pelo desenvolvimento intelectual. A harmonização das atitudes emocionais conduz a que as crianças aprendam maior autonomia e controle de seus comportamentos, conforme indicamos em outro artigo. (6)
Há confusão, ainda hoje, entre os adultos, sobre o que seja expressão emocional. Quando observam um relacionamento espontâneo e afetuoso entre meninos e meninas, começam a acreditar em uma idealização de namoro na infância, pois desejam, por uma visão romântica, que o sentimento seja permanente. Algumas vezes, além do romantismo, é a vaidade dos adultos que introduz as crianças nesta dimensão precoce de relacionamento, confundindo o sentimento mais permanente com a emoção, que é fugaz e transitória. Por isso, é fácil uma criança ficar de “bem e de mal”, em instantes, com o amiguinho ou a amiguinha. O esquecimento é rápido e o afeto retorna logo.
Há diferença dos comportamentos entre os gêneros fortalecida de forma automática pelas famílias. Percebe-se isso quando há meninos e meninas na mesma casa. Felizmente, alguns pais já se mobilizam para aplicar novos conceitos e assumir atitudes que buscam superar as contradições no processo educacional. Porém, a maioria das famílias e algumas escolas, ainda reproduzem na educação das crianças e adolescentes os comportamentos que relacionam a adultização precoce e a glamorização das meninas, como princesas idealizadas pelo romantismo, com o machismo.
“Segurem suas cabras porque meu bode está solto” é uma frase que ainda é dita por mães de meninos, até pelas redes sociais. Muitas já a criticam, racionalmente, mas emocionalmente podem conservar esta crença. Essa é uma máxima que desde muito expressa que as famílias das meninas devem cuidar de suas filhas, pois os meninos são livres para agir. Uma decorrência dessa crença é que a gravidez, fora de hora, será sempre culpa da menina que os pais não a cuidaram. Na opinião de Luiz Coderch, “o machismo na infância causa problemas na vida adulta. O homem é educado para ser dominador e as mulheres para aceitarem esse tipo de relação”. (7)
Dentro dos diferentes padrões, a menina vive um processo de adultização e erotização mais intenso, forçado pela mídia de consumo que começa pelas escolhas das mães e dos pais. Antes do primeiro ano de idade, há a moda de sapatinhos de salto alto. “Já é possível encontrar e comprar sutiãs com bojo para meninas a partir de 2 anos de idade. Meninas pequenas usam maquiagem e sandálias de salto alto, comprometendo a saúde da sua pele e da sua coluna. Para a indústria e o comércio isso é muito bom, no sentido em que uma criança que vive sua infância com comportamento de criança consome muito menos do que uma criança adultizada. (8)
Em tal contexto, com as atitudes incorporadas a partir da mídia de consumo, surgem as “princesas” e os “heróis” como temas das festas de aniversários respectivas para meninas e meninos. Quando são ainda bebês, os temas seguem os desenhos animados da moda, presentes na televisão ou no cinema. Quando começam a escolher, por volta dos 4 anos, arrisco a dizer que poucas mães comemoram os aniversários dos filhos ou filhas, a partir de temas propostos pelas crianças que não estejam de acordo com as ideias maternas sobre a festa.
Recentemente, observamos um caso bastante discutido nas redes sociais, que evidenciou, claramente, o desejo da mãe ao direcionar o tema do aniversário da criança. Em artigo da Ego, Redes Sociais, sobre o aniversário da filha de Sheila Mello e Fernando Sherer, é possível ler: “Mamãe Sheila Mello realizou um sonho neste domingo, 26, ao planejar a festa de 4 anos da filha Brenda com o tema Marilyn Monroe, com direito a filhota caracterizada como a grande diva do cinema americano.”(9)
Na matéria, acima citada, entre belas fotos publicadas, o pai afirma: “Olha, gente, que coisa mais lindinha ficou a decoração da festa da minha pin-up! É claro que essa festa foi para a mamãe dela, né?” A mãe explica, por sua vez, o motivo da escolha do tema da festa: “A partir do ano que vem, a pessoinha não vai deixar escolher temas, então eu tive o privilégio de fazer uma festa. Sempre sonhei em pin-ups, a grande representante, a maior de todas, depois da Brenda”.
Na mesma tendência de adultização com glamorização das meninas, encontra-se notícias de aniversários comemorados com “baladas Infantis” e aluguel de limousine para transportar, como princesa moderna, a aniversariante, e também algumas amiguinhas convidadas. Essa fantasia romântica das mães e dos pais, envolve grandes custos e o transporte usado vai muito além da necessidade das crianças para a chegada ao local da festa.
Outra forma de adultização de relacionamentos entre crianças em festas de aniversário ocorre, tanto em buffets quanto em residências, ao ser cantado o complemento usual do “Parabéns a Você” quando os adultos e as outras crianças perguntam: “com quem será, com quem será, que “fulana” / “sicrano” vai se casar? Vai depender, vai depender, se “o indicado” / “a indicada” vai querer.” Quantos de nós já cantamos isso em aniversários, de forma automática?
Na maioria das vezes, os aniversariantes se envergonham, se escondem, pedem a interrupção da canção, colocam as mãos cobrindo o rosto, ou, até se tornam agressivos diante dos convidados. Tais atitudes não são interpretadas pelos pais como reação emocional da criança, sinalizando estar desconfortável, seja porque está no grupo maior e se sente intimidada, ou, pela exposição junto ao colega ou amigo(a) de que gosta muito ou que detesta. A criança sente-se ansiosa pela invasão da sua intimidade. Só mais tarde entenderá, racionalmente, o significado do que seja isso, mas a emoção de raiva, vergonha ou tristeza já está presente no momento. Embora mostre seu desagrado, os presentes riem e batem palmas, seguindo com a festa.
Na infância, os pequenos são sinceros e indicam o que sentem. Os adultos, muitas vezes, não compreendem as mensagens. Mais tarde, as crianças aprendem a disfarçar seus sentimentos, pois não foram aceitas e fortalecidas. Começam as mentiras, as manipulações para agradar, as omissões de seus verdadeiros sentimentos e as descargas agressivas quando suas emoções transbordam sem serem acolhidas. Os pais, então, lamentam o quanto seus filhos e filhas mudaram, mas não percebem que não propiciaram a segurança e a liberdade necessárias através processo educacional. (10)
Adultizar uma criança é permitir a antecipação do final de sua infância, fazendo com que os valores e comportamentos dessa fase se misturem, em sua mente, com os valores e comportamentos dos adultos. Isso é promovido pela mídia, intencionalmente, que lança modas e reforça o padrão de comportamento para que a criança exija dos pais os produtos/serviços criados para ela, alimentando o consumismo desde cedo.
A moda gera um comportamento, quase automático, principalmente entre as mães e os pais que desejam ver seus meninos como pequenos homens e adoram enfeitar suas meninas, chegando à adultização, ao excesso de glamorização e até de erotização precoce, com uso de maquiagem, adoção de trejeitos sensuais em danças, roupas, comportamentos, atitudes, desejos e aparência física que imitam os adultos. Sabe-se que brincar de ser adulto é saudável ao crescimento das crianças, porém quando ultrapassa a brincadeira e passa a ser uma preocupação ou necessidade é que surgem os prejuízos emocionais na infância, que terão efeitos nocivos no futuro.
Em Mídia, Consumo e a Adultização de Crianças: Uma Reflexão Macrossocial (11) – trabalho científico documentado com muitas fotos – encontramos a informação de que: “a geração de crianças que recebe esses estímulos adultizados de maneira excessiva, recebeu, inclusive, uma nova nomenclatura: KGOY – Kids Growing Older Younger, ou seja, crianças que se comportam como adultos precocemente.”
Gradativamente, a distinção entre o mundo adulto e o mundo infantil vem desaparecendo, devido à mídia de consumo e as decisões quanto às crianças pela famílias.
A intenção deste artigo é de oportunizar uma reflexão, entre mães e pais, a partir da Campanha “Criança não namora. Nem de brincadeira”, sobre práticas de adultização da infância, de glamorização das meninas e da visão romântica no relacionamento entre crianças. A permanência dessas práticas pela família poderá trazer distorções e prejuízos para o emocional das crianças e adolescentes, devendo ser refletidas e superadas por meio do processo educacional.
A modelo representa a adultização das meninas
Notas de Referência: