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Mais Lilith Menos Eva

Mais Lilith Menos Eva, Por Favor!

Sempre me pergunto o motivo de tanto sofrimento, dor, lamúria e ranger de dentes entre as mulheres…

Mais Lilith Menos Eva. Sim, vivo me questionando qual a raiz da rivalidade feminina, tal qual aprendemos em casa, na escola, na igreja, no mundo do trabalho e das relações.

Dias atrás ouvi que essa coisa chata, esse ranço entre nós se instalou com o advento dos meios de comunicação. Com todo o respeito às opiniões diversas, aliás aqui entre nós, eu adoro um bom, educado e de alto nível debate, mas não concordo.

Uma das primeiras representações desta forma vil e tóxica de nos relacionarmos, está descrita em textos muito mais antigos que o cristianismo.

Olhando para este passado relativamente distante (coloca tempo nesta visão), observei que as tradições rabínicas baseadas na Torá, já falavam desta tal rivalidade, partindo de uma disputa manipulada, com propósitos bastante escusos, entre duas figuras femininas, que buscavam “satisfazer” o mesmo homem.

Reza a lenda que Lilith teria sido a primeira mulher de Adão criada ao mesmo tempo que ele e do mesmo pó. Ocorre que como toda mulher que se “prese” não quis se se submeter aos desmandos do seu macho.

Ela discordava das opiniões dele, buscava seu lugar de fala diante do “Deus todo Poderoso”, opinando e argumentando e nem sequer, fazer sexo somente na famigerada posição “papai e mamãe” essa figura lendária aceitava.

Como ela tinha coragem e certeza de sua igualdade perante a divindade, resolveu que submeter-se seria o pior castigo de todos e sem outra perspectiva resolveu fugir daquela situação e refugiar-se numa caverna bem longe de Adão, o primeiro “mandão da história”.

A partir daí começa a saga de descrever a mulher liberta de qualquer jugo como uma criatura demoníaca e profana em todos os seus matizes.

Como tudo que está ruim ainda pode piorar, a divindade do momento narrado fica com pena da solidão e tristeza que o abandonado Adão está sentindo. Compadecido, Deus resolve tirar a costela da criatura para lhe presentear com nova companhia. Assim, nasceu Eva a puritana substituta.

Como Eva era a segunda mulher na vida do início dos tempos, para justificar o nascimento da primeira disputa feminina relatada da história, Lilith passou a ser o “espírito” das trevas que habitou a cobra que por sua vez “obrigou” a pudica Eva a comer o fruto proibido. Tadinha da segunda esposa, envenenada pela primeira malvada.

Segue o baile, e o que importa dizer é que na visão machista hegemônica do patriarcado, Lilith ficou marcada como figura tão desejável quanto perigosa. Por ser descrita como criatura de impulsos vorazes foi vista como deusa que extasia os homens para depois levá-los a ruina. Mas realmente a ruína dos homens pode ser atribuída a uma figura mítica?

Como sempre responsabilizar o ser exterior facilita a vida do irresponsável, não é?!

No entendo, no momento em que a história é olhada femininamente, outras verdades se revelam. Lilith não teve escolha, ela fora expulsa do paraíso e obrigada a tomar consciência de si mesma, bem como a lidar/ser responsável por sua existência e ações.

A inversão dos valores é feita historicamente para livrar os homens de qualquer “culpa” e por isso Lilith é colocada como devoradora de homens, com instinto sexual exacerbado, que trata o sexo como um fim em si mesmo, onde o homem seria seu mero objeto.

Aí vem a indagação: se no momento que a mulher tem liberdade sexual o “pobrezinho” do homem torna-se vítima frágil, a mulher para não melindrar seu parceiro jamais deve ser sexualmente liberta?

A reflexão é necessária, pois até os dias atuais, na maior parte das vezes em que uma mulher age nos mesmos moldes que os homens, em relação aos padrões de sexualidade ela é taxada de mulher fatal.

De modo a poder acabar com essa figura feminina, os homens retiram a credibilidade moral desta mulher “libertina” e as demais mulheres que seguem o padrão Eva de ser (inseguras, sexualmente inativas, maternais demais, dependentes emocionalmente e financeiramente… as famosas submissas) rechaçam completamente a figura da mulher que elas tanto invejam, mas jamais conseguiriam ser.

Por estes e outros motivos a figura de Lilith acaba sendo relegada a uma forma de vivencia sombria, com um rótulo de promiscuidade, com uma mente demoníaca.

Assim, o mito da criação eclode como uma alegoria de moralidade que permite e recomenda o castigo de Lilith, já que ela é a figura da mulher rebelde, e por ser rebelde, também vista como vadia e diaba, tudo por ter exigido independência e autodeterminação.

É para vocês verem meninas, todo um mito secular criado com um único intuito: plantar nas mentes das mulheres fortes, autônomas, livres, uma pecha de pecadora terrível, exemplo de tudo que não se pode ser. Affff me causa nojo isso, mas… c’est la vie!

Como tudo fora feito durante séculos para justificar o sistema patriarcal, Adão como primeiro homem, jamais poderia aceitar a total ausência de inibições e limites sexuais e menos ainda a igualdade entre ambos proposta por sua primeira companheira, Lilith.

Nossa, se assim fosse tudo iria ruir nas cabeças da sociedade hipócrita e misógina propositalmente construída. A interpretação forjada do mito da criação (excluindo este início onde a mulher era uma igual) teve o condão de assegurar para Adão uma mulher suficientemente fraca, submissa, servil que fosse o modelo “adequado” para inspirar todas as mulheres.

Trocando em miúdos, fomos enganadas a vida toda para sermos talhadas como um objeto útil, além de belas, recatadas e do lar…

Desde o início dos tempos (mitologicamente falando) a mulher carrega a culpa pelas desgraças do mundo, tudo com base na sua demoníaca necessidade de ser igual.

Essa “pecadora figura” vista como a fêmea sedutora, lasciva, independente e que vivia em posição de igualdade com o masculino, não poderia jamais ser adotada como modelo, nem sequer uma alternativa de identificação, sendo isolada por repressão da moral social, tornando o feminino livre um sinal de desvalor, infortúnio, escuridão e desgraça.

Aí eu te pergunto, depois deste trabalho de base nas mentes e no inconsciente coletivo, que mulher iria querer ser independente? Somente uma cabeça extremamente sagaz, fora dos padrões pode raciocinar femininamente e buscar sua liberdade mesmo que os demais a vejam como semente de todo o mal.

Pense comigo, afinal a serpente da história de Gênesis deveria ser considerada uma grande benfeitora. Isso se considerarmos que a consciência, o despertar para o conhecimento representado pelo fruto proibido é um estado mental muito melhor do que a ignorância e seu pretenso conforto.

Aliás, se o paraíso descrito fosse mesmo bom, Eva não teria mordido o bendito fruto. Lembrar que o chamado “estado paradisíaco”, quando prolongado demais, transforma-se numa prisão tediosa é indispensável.

Nesta linha o desterro, banimento já não seria experimentado como algo indesejável, ruim, mas sim como sinônimo de libertação. Nunca esqueça que só vemos a luz quando saímos das sombras e vice-versa.

Em outras palavras, ninguém pode ser feliz o tempo todo, somente experimentamos a felicidade quando somos passíveis de tristezas, sentimos saciedade quando aplacamos a fome, valorizamos a liberdade quando já estivemos presas… a vida é feita de paradoxos.

O processo de consciência quando se eleva, naturalmente gera dor, incertezas e conflitos internos. Muitas vezes as pessoas não desejam se elevar, pois isso significa aguentar a dor da passagem de estado e retira o sentimento de conforto de tudo que é conhecido. Crescer tanto metafórica como literalmente, dói. Evoluir não é para os fracos.

A mim pouco, ou quase nada, importa o que vem sendo introjetado a séculos na sua mente. Meu papel é fazer com que todas as mulheres entendam que elas possuem escolhas. Daí em diante cada uma sabe o que é melhor para si.

Viver numa gaiola dourada sendo alimentada, aviltada, calada, suprimida, mas em “segurança”, normalmente casada e levada a maternar o resto da vida (pois quando não está sendo mãe dos filhos é do marido) ou ser livre, independente, autorresponsável, batalhadora, culta, pensante, dona de suas vontades e sem garantias a não ser a de que é por si.

Quando propus que sejamos “mais Lilith menos Eva”, busquei mostrar um caminho do equilíbrio já que ser completamente uma ou totalmente a outra trás consequências drásticas que nem todas nós gostaríamos de enfrentar.

Viver no limite é algo lindo, raro e frustrante ao mesmo tempo… afinal a liberdade propicia agruras que somente uma mulher feita de “aço e de flor” é capaz de saborear.

Essa é a minha reflexão, outro dia falaremos mais sobre isso se você quiser!

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Dra. Talita Arruda

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