Não existe ex-mãe: a saga de mulheres que enfrentam a perda de seus filhos – Parte 2

Sejam bem vindos à segunda parte da nossa matéria, escrita a muitas mãos, várias escutas e em meio a tristezas, recordações, alegrias e saudades. Retomemos a inquietante pergunta: existe ex-mãe? Sigamos em frente…

Junior com a mãe Eriane: “Digo que tenho três filhos. Porém, o do meio, foi alegrar o céu. (…) Ele não está aqui. Mas não deixa de ser filho. Sinto saudade de cuidar dele, de dar os remedinhos, saudade dele correndo ou soltando pipa.”
Junior com a mãe Eriane: “Digo que tenho três filhos. Porém, o do meio, foi alegrar o céu. (…) Ele não está aqui. Mas não deixa de ser filho. Sinto saudade de cuidar dele, de dar os remedinhos, saudade dele correndo ou soltando pipa.”

Quando se acompanha um filho com uma doença grave, como nos casos apresentados, a mãe sabe melhor do que ninguém os momentos difíceis enfrentados durante o tratamento. No momento do óbito, ao mesmo tempo em que surge a dor, o inconformismo, a raiva, não raro aparece também o sentimento de alívio pelo cessar do sofrimento e da dor daquele que partiu.

A morte também pode ser encarada como descanso e liberdade. “Eu queria sentir saudade…mas não sofrer. Porque sofrimento era ver ela gritar de dor e nem mesmo morfina ser suficiente. Sofrer era vê-la querer estudar e não poder. Querer cabelos e não poder. Querer ter uma vida normal e não ter…” conta Nilcimari. Após um período de tempo, com o passar dos dias e o aumento da saudade, aumenta também a vontade de poder voltar no tempo, estar novamente ao lado de quem partiu, ainda que assumindo a retomada da rotina hospitalar e de tratamento médico. “Engraçado, a gente faria qualquer coisa para estar com nossos filhos. Até morar no hospital se fosse preciso. Qualquer coisa só para estar do lado, vendo, beijando, sentindo o cheiro…eu só queria ter diante de mim, do meu lado” refere Joelma.

Em meio ao processo de aceitação e de superação da morte de um filho, o retorno às atividades inclui a retomada da vida profissional e da convivência com familiares, amigos e da sociedade em geral. É neste retorno que muitas mulheres se deparam com a pergunta – quantos filhos você tem? – seja numa entrevista de emprego, seja numa consulta médica ou em uma conversa informal. E eis um momento que pode gerar conflito para a mulher: o filho falecido deve ser mencionado? Entre as mães aqui entrevistas, todas foram unânimes em dizer que sim, ao responderem quantos filhos têm, sempre contabilizam o filho que partiu.

Lucas com a mãe Gracilaine: “É muito difícil quando fazem esta pergunta e obrigam a gente a colocar no papel. Eu sofro muito com isso e imagino que as outras mães também. Ele fez parte da minha vida, não tem como eu dizer ele foi meu filho. Ele é, vai continuar sendo…agora no coração.”
Lucas com a mãe Gracilaine: “É muito difícil quando fazem esta pergunta e obrigam a gente a colocar no papel. Eu sofro muito com isso e imagino que as outras mães também. Ele fez parte da minha vida, não tem como eu dizer ele foi meu filho. Ele é, vai continuar sendo…agora no coração.”

“Estes dias atrás fui fazer uma ficha e a moça perguntou para mim quantos filhos você tem? Aí eu respondi sete…A M. (filha já adulta) olhou pra mim e falou – mãe, tem seis, a Fran não conta…daí eu falei, como não, ela é minha filha também. Dói muito ainda” descreve Rose. Esta fala demonstra que para uma mãe, vivo ou falecido, um filho jamais deixa de ser um filho. “Por mais que tenhamos mais de um filho, a perda é irreparável”, completa Andréia.

Joelma retrata bem a angústia gerada nesses momentos quando conta que as pessoas “sempre perguntam quantos filhos você tem e eu digo dois. Aí eles perguntam a idade, quando chega na idade ou alguma outra pergunta que aí tem que revelar que não, mais, eu tive dois filhos, mas no momento eu só tenho um, o outro faleceu. Mas esse outro faleceu, já sai entalado, sem querer sair, sem querer revelar para as pessoas o que eu vivi, o que eu já passei. É um assunto que eu não gosto de tocar”.

Tanto para as novas amizades que faz, como para o namorado, Maria de Fátima conta que sempre se refere dizendo que é “mãe e sempre será de dois filhos lindos. De uma moça linda que está aqui comigo e de meu anjo no céu. (…) e a todos é assim: trabalho, amizades, relacionamentos e sempre será”. Eriane também sempre menciona Junior quando fala dos filhos. Sobre deixar de mencionar, se gera culpa, ela menciona: “acredito que não seja culpa, estaria omitindo um filho que eu gerei, que existiu”.

Eglibrummel com a mãe Joelma: “(…) das vezes que eu abri a boca para dizer que eu só tinha um filho, isso me doeu muito por dentro, porque vem aquele sentimento, será se ele deve estar pensando – será que ela me esqueceu? Ela me deixou? Ela não lembra mais de mim?

Gracilaine retrata a dor sentida ao ter que preencher uma ficha na empresa, a tal burocracia, que perguntava – quantos filhos você tem? “Eu não consegui responder, eu comecei a chorar, isso tinha umas duas semanas que eu estava trabalhando. E foi horrível, eu não consegui colocar um lá, sabe, eu não consigo”. Na empresa onde trabalha hoje passou pelo mesmo, “só que infelizmente eu tive que por, é uma coisa deles que a gente tem que colocar. Mas quando me perguntam, se for pra falar, eu não consigo falar – eu tive um filho só”.

De forma diferente, Nilcimari refere que ao preencher a ficha para seu primeiro emprego, deixou os dados que perguntavam sobre se tinha filhos em branco. “Quando fui passar pela entrevista da psicóloga, ela achou interessante (…) foi daí que ela perguntou: mas você tem filhos? Daí eu falei tenho, uma. Aí eu contei a história pra ela, que a Maria Laura nunca ia deixar de ser a minha filha, porém eu não achei correto colocar porque existe toda a parte burocrática da empresa que precisa saber se você tem filho ou não”.

Há uma certeza entre estas mães, e creio eu, entre todas que passam pela triste perda de um de seus filhos, de que não existe ex-filho. E de acordo com o dicionário online Michaelis, mãe é “a mulher que deu à luz um ou mais filhos e os cria ou criou”. Logo, não existe também ex-mãe. A dúvida, a angústia e certa ansiedade nascem quando se ouve a pergunta – você tem filhos? porque ao responder sim, surge outra – quantos? E de quantos, segue – qual a idade deles? Não se quer excluir do relato verbal o filho falecido, porém responder a estas perguntas requer voltar a falar da história que nem sempre se quer relembrar, tocar na ferida sempre tão delicadamente cicatrizada. Porém, nem de longe isso significa que o filho foi ou será esquecido. Como cada uma referiu, à sua maneira, eles seguem junto, no coração, na memória, nas fotos deixadas sobre um móvel, nas recordações de tudo o que foi vivido. Certo está, portanto, que assim como ninguém deixa de ser filho, nenhuma mãe deixa de ser mãe, ainda que o filho “tenha ido morar com Deus”.

Namastê!

Entrevistadas:

  • Andréia Cristina Oliveira Tavares – mãe de Higor Vinícius Tavares
  • Eriane Mascarenhas Gomes – mãe de Ednaldo Machado Sacramento Junior
  • Francisca Joelma Sousa Ribeiro – mãe de Eglibrummel Sousa Costa
  • Gracilaine Aparecida Gonçalves – mãe de Lucas Gonçalves Pereira
  • Maria de Fátima Leardini – mãe de Dyonathan Wyllian Livoni
  • Nilcimari Machado de Souza – mãe de Maria Laura de Souza
  • Rosemari de Andrade Schwendtner de Assunção – mãe de Francine de Andrade Assunção

Todas autorizaram divulgação de imagem e uso de relato para esta matéria para a Revista A Empreendedora.

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