Deméter e Perséfone (Koré), mãe e filha, ampliam a consciência feminina para cima e para baixo e alargam a mente estritamente consciente e limitada ao tempo e espaço, oferecendo-lhe indícios de uma personalidade maior e mais abrangente que tem participação no curso eterno das coisas...
Deméter – Koré existe no plano da vivência mãe, alheia ao homem, impenetrável para ele.
Perséfone está brincando com suas amiguinhas na eterna Primavera, completamente contida em sua despreocupada crença de que nada pode alterar esse estado feliz de juventude e beleza.
Por baixo, no entanto, agita-se a ânsia de tomar consciência, e a virgem, que não deve ser mencionada, distancia-se de suas parceiras.
Intoxicada pelo odor de um narciso (ao enxergar-se como pessoa), detém-se para colhê-lo e, ao fazer isso, abre a porta pela qual o Senhor do Mundo Inferior corre para capturá-la.
A mãe chega a psicoterapia com a queixa que sua filha “não está mais em casa, parece que nem tem mais família, não faz as coisas como antes, não tem bom rendimento no trabalho, não liga mais para o que eu digo e parece que só vive para o namorado”.
No nível arquetípico, a filha comporta para a mãe a extensão de sua própria natureza essencial, devolvendo-a ao passado e à sua própria juventude e, mais tarde à promessa de seu próprio renascimento em uma nova personalidade: “Todo mundo diz que a minha filha é muito parecida comigo quando jovem”.
A simbiose mãe e filha é rompida por um terceiro: quando criança, o pai; e quando jovem, o namorado, aquele que a mãe ou aceita muito, ou despreza. “Eu sempre desejei algo melhor para minha filha”.
É através do pai que a filha toma pela primeira vez consciência de quem é. Quando não existe uma imagem adequada do pai na vida de uma menina; a identidade filha e mãe podem assumir uma grande intensidade.
Quando a imagem paterna é muito negativa e assustadora, a filha pode inconscientemente assumir um problema da mãe, de uma maneira profunda, às vezes assumindo-o pela vida afora, muito depois de sua mãe já estar morta, permanecendo incapaz de encarar o próprio destino de forma livre.
Normalmente, a menina começa a desapegar-se da mãe e a tornar-se consciente de sua própria potencialidade como mãe através do amor pelo pai.
Analogamente, o namorado, Ser que vem do Hades, “é perigoso e está pretendendo raptar a minha filhinha de mim, e eu, como mãe, tenho o dever de protegê-la”.
Inicia-se então uma disputa pelo amor e atenção de sua filha com o namorado.
Disputa que muitas vezes faz a filha renunciar ao seu crescimento (rapto simbólico) em prol do desejo de sua mãe.
O momento em que tudo acontece na vida da mulher é sempre uma necessidade de crescimento: alguma coisa instala-se com grande força e vence as resistências.
Ocasionando o novo e rompendo com ligações antigas. “O Senhor do Mundo Inferior é quem vem, desgarrando-se do inconsciente com tremendo poder do instinto, apoderando-se da virgem, arrastando-a para longe da vida superficial do seu paraíso infantil, até as profundezas, até o reino dos mortos, pois a entrega total que a mulher faz no seu coração, de si mesma, é, para a vivência de seus instintos, uma espécie de morte”.
Perséfone grita em protesto e por medo, ao ver violentamente romper-se seu vínculo com a mãe, com a juvenilidade inconsciente.
A mãe, Deméter ouve e sabe que a filha está perdida, mas não sabe como.
A mãe na sessão diz: “Creio que minha filha não está bem, talvez esteja perdida em sua vida. Sinto que está com dúvida quanto ao seu relacionamento com o namorado e precisa de minha ajuda”.
A perda da filha para a mulher mais velha é a perda da parte jovem e despreocupada da sua pessoa; é a oportunidade de descobrir significados, algo que constitui a tarefa da segunda metade da vida.
É uma mudança da vida das projeções externas para o desapego, o voltar-se para dentro.
Na atualidade as mulheres têm uma grande dificuldade de abrir mão da eterna primavera do apego inconsciente à juventude, da eterna Perséfone ingênua a colher flores no campo inconsciente de seu mundo interno.
Através do mito de Deméter, na Grécia Antiga, temos um testemunho da necessidade avassaladora da mulher pelo seu já crescente distanciamento do padrão natural do feminino primitivo, da necessidade que a deusa tem de ensinar-lhe o significado da profunda transformação que ocorre quando de filha torna-se mãe e novamente filha.
Na atualidade é necessário que as mulheres se permitam vivenciar, de modo consciente, o abrupto término de sua identificação como filhas, para assim se verem no papel de mãe de sua filha.