Os Assassinos (1927) de Ernest Hemingway e o gênero gangster do cinema

Prova de que a ficção é influenciada pelo nosso entorno é o conto Os Assassinos, escrito pelo célebre escritor norte-americano Ernest Hemingway.

Elaborado durante um período conturbado nos Estados Unidos da década de 20, na qual a Lei Seca fora instituída proibindo qualquer tipo de consumo de bebidas alcoólicas, a violência era crescente e principalmente o surgimento de gangues e máfias que disputavam o controle deste mercado.

A trama é simples, mas cheia de simbolismos que referenciavam essa época.

Trata-se de uma emboscada realizada por um par de assassinos contratados por alguém não identificado, que esperam em uma lanchonete a sua vítima chegar: “(…) Os rostos eram diferentes, mas estavam vestidos como gêmeos. Ambos usavam sobretudos muito apertados(…)”.

Essa descrição e, portanto, esse anonimato em relação aos capangas que entram no local (embora saibamos os seus nomes posteriormente) realmente denotava esse caráter impessoal das relações entre as pessoas, sobretudo da relação que a máfia tinha com suas pessoas.

O “acerto de contas” é apenas um “favor para um amigo” e visto como algo recorrente e banal para os personagens.

É apenas notar que muito embora um deles, o protagonista Nick Adams (uma das pessoas que trabalha lá) mostre raiva e incompreensão desta situação representando os sentimentos despertados pelo seu leitor, nenhuma das pessoas ao seu redor sequer questiona a conduta dos assassinos.

Da mesma forma há uma extrema economia dos recursos narrativos: poucos personagens, espaços temporais e físicos restritos, diálogos curtos e rápidos.

Tudo isso simboliza, de certa forma, ao período representado por Hemingway, tanto financeiro dos Estados Unidos – já que enfrentava uma grande crise econômica – assim como moral: um período de caos, de claustrofobia que remete à impotência e de “beco sem saída” em relação à violência perpetrada pelas rivalidades entre gangues – as quais afetavam diariamente a população em geral.

A invasão, assim como o desequilíbrio que os assassinos causam na narrativa quando entram abruptamente na lanchonete, especialmente pela linguagem impaciente e pela agressividade deles, também representa essa ruptura e essa brusca mudança no cotidiano das pessoas, ou de pessoas honestas como os trabalhadores na lanchonete – os que escolhem permanecer longe de qualquer juízo de valor diante dessa confusão financeira de seu país.

Neste sentido, A Lei Seca é breve e muito sutilmente referenciada em um diálogo quando um dos assassinos escolhe algo para beber, o garçom assim responde: “Refrigerantes, sucos e ginger ale. (…)”.

Descobrimos que a vítima não aparece na lanchonete conforme esperado e mesmo após torturar e pressionar os funcionários do local, os assassinos desistem e decidem partir da cidade, dando seu trabalho como “cumprido”.

Nick, muito perturbado, decide avisar o que correu e alertar à pessoa para que ele pudesse ajudá-la a esconder ou escapar. Ele então se depara com um ex-boxeador já cansado de fugir e pronto para aceitar seu destino assim que viesse.

Em outras palavras, mesmo com a boa intenção de salvar seu colega, este não tem o mínimo interesse em ser salvo. Isso remete, mais uma vez, ao sentimento de impotência que mencionamos anteriormente.

Não há perspectivas de sair desta situação e, portanto, devemos aceitá-la.

Aliás, podemos inferir que isso deve ser sentido pelo leitor da época, o qual identifica no boxeador o mesmo cansaço, a falta de esperanças que um dia talvez a crise no país pudesse se transformar para dias melhores.

É o que vemos quando tenta-se justificar ao final os motivos pelos quais a emboscada contra a vítima se deu: “(…)– Fico imaginando o que ele terá feito – disse Nick.– Traiu alguém.

Por esse motivo se matam pessoas.(…)”, evocando essa forma retrógrada de vingança e justiça que apenas causa inseguranças.

Percebam na leitura do conto que, em nenhum momento, os personagens cogitam comunicar as autoridades policiais – é apenas mais um dia.

Essa trama não coincidentemente inspirou vários autores a também retratarem e criticarem a época através do cinema, revolucionando toda a indústria e permanecendo um atrativo até os dias atuais.

Assim nasce o gênero gangster da sétima arte, o que com o tempo passou a ser uma das temáticas de maior entretenimento: tramas, espionagem, traições, confrontos armados entre gangues e histórias de máfia despertaram o fascínio do público.

Um dos primeiros longas surgiu quatro anos após a publicação de Os Assassinos por Hemingway: Inimigo Público por William A.Wellman e Alma no Lodo por Mervyn LeRoy de 1931.

Cena do longa: Inimigo Público por William A. Wellman (1931)

Um ano depois, a vida do mafioso mais famoso dos Estados Unidos Al Capone é imortalizado nas telas com Scarface – A Vergonha de Uma Nação pelo diretor Howard Hawks, ganhando uma refilmagem em 1983, por Brian de Palma, que se tornou um clássico do cinema pela interpretação do bandido por Al Pacino.

Mais recentemente, temos Os Bons Companheiros (1990), Os Infiltrados (2006), Operação França (1971), O Poderoso Chefão – A Trilogia (1972-1990), Pulp Fiction (1994), Trapaça (2013) e O Ano Mais Violento (2014).

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