Sabotando a zona de conforto
Quem fuma ou um dia já fumou, deve ter passado pela situação de, sem querer, ver uma pequena brasinha escapar do cigarro queimando o sofá.
Afinal, nada mais confortável que assistir algo interessante fumando um cigarro.
Passei por essa situação recentemente, e ela me fez formular duas perguntas importantes: se não fumo, por que estava fumando? E, por que queimei acidentalmente meu sofá duas vezes?
Para quem é terapeuta como eu, sabe bem que esses acidentes não existem. E mesmo para quem não é, tenho certeza que seriam eventos que chamariam a atenção.
E devem, afinal acidentes servem para que possamos ser surpreendidos, para que literalmente possamos “parar e olhar”.
Quem ignora acidentes tidos como insignificantes, como tropeçar, cortar o dedo ao cozinhar, ou queimar o sofá, poderá passar para acidentes com maiores prejuízos.
Pois, o nosso inconsciente muitas vezes silenciado encontrará formas de se fazer ouvir, e, cada vez com mais barulho. Freud chamava isso de atos falhos.
Existem muitos desses acidentes que ocorrem por não estarmos com a atenção plena no momento, e aí devemos nos questionar onde nossa cabeça está, e, para onde ela sempre viaja quando precisamos dela.
A outra situação é quando mesmo estando com atenção plena, nos sabotamos com imprevistos. Como o meu caso com o sofá. Diante desses imprevistos, devemos utilizar o que chamo de análise na prática.
A análise na prática, é entender que todos os nossos momentos dentro da rotina cotidiana, são objetos para analisarmos em prol do nosso aprimoramento.
Não precisamos obrigatoriamente voltar ao passado para percebermos nossos padrões e para entendermos onde temos que atuar para gerar importantes mudanças na nossa vida.
Se você souber trabalhar com as situações que se apresentam, não utilizará terapias apenas para uma masturbação mental.
Assunto esse que inclusive irei aprofundar no próximo texto.
Então, o que fazer diante dessas situações acidentais? Três observações são fundamentais:
- Analisar a natureza do imprevisto/acidente: se foi uma queda, um esbarrão, um pequeno machucado, um dano material, um esquecimento de eventos ou objetos, perder algo, achar algo, se ocorreu só com você, se envolveu outras pessoas (e nesse caso estar atento com quem foi), etc.;
- Em qual momento ele ocorreu: se era um momento que precisavam de você para alguma tarefa/encontro, momento em que você precisava realizar algo, momento em que sentia entediada (o), sozinha (o), estava confraternizando, mudando, se exercitando, estudando, etc.;
- O que você realmente sentiu após o momento: e porque neste item enfatizo o “realmente”, pois, passado o susto do incidente virá um sentimento o qual você deve identificar. Se o sentimento foi de culpa, raiva, tristeza, alívio, etc.
Exemplificando pelo meu caso, o entendimento ficará claro. Fazia alguns dias em que me reabilitando por questões de saúde, eu estava adotando a rotina de deitar no sofá e assistir séries, filmes aleatórios.
A situação se agravou com os protocolos em relação ao isolamento devido a COVID-19. Para o meu entendimento racional (que muitas vezes nos trai) essa era a conduta que eu deveria ter para me restabelecer bem.
Pois, havia ouvido as recomendações de “ficar quieta”, “repousar”.
E assim segui, até que aquela brasinha insignificante queimou meu sofá. Na primeira vez, ignorei, achei algo natural talvez pelo inebriar da minha mente devido ao excesso de televisão.
Porém, na segunda vez em que outra brasinha atrevida queimou novamente o sofá… Despertei.
Eu estava fumando, coisa que não faço, e, havia queimado um objeto de muita estima para mim. Usei as observações que citei anteriormente e, avaliando a natureza, o momento e o que senti após, percebi o alerta do meu inconsciente e o recado ficou claro.
A primeira alerta era em relação ao hobby o qual eu estava experimentando.
Como não fumo, por julgar ser algo ruim para a saúde, meu inconsciente por duas vezes me fez queimar o sofá para que me levantasse, apagasse as brasinhas e na sequência do reflexo acidental jogasse fora o grande vilão.
O que podemos entender com essa ação é que muitas vezes aquilo que julgamos estar nos relaxando, divertindo, ajudando, está na realidade contrariando nossos valores mais íntimos, incluindo até mesmo o nosso senso de autopreservação.
E, nesse duelo entre o que queremos e o que precisamos, o inconsciente vai sempre agir nos mostrando aquilo de que realmente necessitamos, e o que realmente estiver afinado com nossa essência e vontade. Devemos estar atentos a esse fato.
Segunda alerta, o sofá foi incendiado… mesmo que de forma contida e simbólica pela pequena brasinha.
Entendendo que esse móvel corresponde a um item de conforto na casa, de despojamento, que nos permite certa receptividade seja ao que se passa na televisão ou com as visitas, queima-lo naquelas circunstâncias significava que era também a hora de sair da zona de conforto.
Transmutando as ideias até então apenas recebidas passivamente em algo produtivo. Afinal, o fogo é a transmutação de elementos para gerar calor.
Calor com poder enérgico de realização ou com poder de destruição. A escolha, a partir daquele momento, seria minha.
Era a hora por tanto, de analisar e decidir. Minhas recomendações para repousar chegavam ao momento de mudar.
Meu inconsciente avisava que para o meu repouso ser saudável, ele não poderia se basear nessa condição mórbida da espera passiva. Condição essa não recomendável a ninguém.
Afinal a produtividade, seja em qualquer esfera e forma é uma das ferramentas mais eficazes para a realização humana.
E, percebendo novamente isso, retomei meus projetos e atividades, buscando até mesmo novos desafios. Incluindo a parceria de escrever artigos para essa revista.
Caso eu não entendesse a mensagem sutil do meu inconsciente, me revelando a minha verdadeira necessidade para o momento, poderia estar sujeita a acidentes mais graves, que fizessem com que eu me mexesse.
E você? Anda ignorando alguma mensagem inconsciente? Qual acidente aparentemente banal está vivenciando e o que ele deseja que você olhe e perceba?
Comente, posso ajudar a desvendar esses pequenos mistérios cotidianos.