Em 1943 Leo Kanner descreveu, pela primeira vez, onze casos de crianças autistas. No ano seguinte foi a vez de Hans Asperger em seu artigo “Psicopatologia autística da infância”. Em 1961 Ferster sugeriu que o autismo seria resultado de uma precária e inadequada interação mãe-bebê, explicação que foi aceita por muitos anos, emocionalmente ‘criminalizando’ as mães destas crianças. Mesmo após longos anos de trabalho, observações e intensas pesquisas nesta área, as causas do autismo ainda são desconhecidas. Sabe-se que tanto fatores genéticos (cerca de 90%), quanto externos (10%) podem estar na gênese deste transtorno. Assim, genes podem estar associados à maior susceptibilidade para o seu desenvolvimento enquanto outros podem estar ligados à gravidade do sintoma . Dentre os fatores externos, estão: a poluição do ar, maior sensibilidade a vacinas, complicações na gestação, infecções virais, entre outros.
O autismo hoje está englobado pela sigla TEA (Transtornos do Espectro Autista), segundo o DSM-V, sendo compreendido como um transtorno do neurodesenvolvimento. Ele se caracteriza por dificuldade de comunicação social, interação e uso de comportamentos repetitivos. O grau em que cada indivíduo irá apresentar estas características dependerá do seu grau de comprometimento dentro do espectro. Algumas crianças já apresentam características perceptíveis desde o nascimento, como a falta de contato visual com a mãe enquanto é amamentada, falta de interação social típica de bebês ou um choro diferenciado. Outros terão características sutis, que se tornarão mais evidentes com o desenvolvimento da criança.
Algumas crianças com TEA podem apresentar comprometimento intelectual. Muitas terão o desenvolvimento intelectual dentro do esperado, enquanto outras poderão desenvolver altas habilidades. Essa característica modulará a capacidade para a aprendizagem e desenvolvimento escolar, podendo ainda ser observado déficit de atenção em alguns casos.
O TEA é uma condição permanente, que acompanha o desenvolvimento, do nascimento à vida adulta. Alguns conseguirão tornar-se independentes, estudar, trabalhar auto sustentar, enquanto outros poderão exigir atenção e supervisão ao longo de toda a vida.
Para o diagnóstico há necessidade de avaliação de um neuropediatra, podendo a equipe ser composta ainda por psicólogo, fonoaudiólogo e pedagogo. Desde 2013, com a nova versão do Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais (DSM V), o diagnóstico do autismo se baseia na díade “déficits sociais e de comunicação” e “comportamentos repetitivos e restritivos”.
Dentro deste universo se observa a dificuldade de interação social manifestada, principalmente, na dificuldade do estabelecimento de interações com terceiros (seus pares, adultos e também familiares). A empatia geralmente não está presente, havendo grande dificuldade de se colocar no lugar do outro. Também a leitura emocional é prejudicada – não consegue compreender as expressões faciais do outro e avaliar os efeitos que as coisas e situações causam em quem está à sua frente – o que pode ser melhorado com treino orientado por profissionais de psicologia em terapia e em casa. Encontram dificuldade de expressar suas emoções e compartilhar aquilo que sentem. A dificuldade de interação social pode gerar isolamento, o que muitas vezes é buscado pelo autista, garantindo a ele a preservação do seu espaço. Quando inserido no ambiente escolar, podem aparecer questões de difícil manejo para a criança ao se exigir dela a realização de atividade em grupo.
Quanto à fala, esta pode sofrer grande atraso na sua aquisição e uso, sendo que se trabalhado junto a um profissional da fonoaudiologia, é possível obter bons resultados, com maior êxito quanto mais precocemente se iniciar a estimulação e houver manutenção constante desta. No aspecto da comunicação não verbal, é possível que estejam presentes dificuldades quanto ao contato visual, expressões faciais e posturas peculiares.
No que concerne ao segundo aspecto da díade, há ocorrência de manutenção de rotina, com grande contrariedade e alteração emocional quando da quebra destes padrões. Sons, palavras e/ou movimentos repetitivos podem estar presentes, como balanço do corpo ou repetição constante de algum som, geralmente sem significado identificável (ecolalia).
Outro aspecto presente é o aparecimento de interesse intenso por determinado tema, sendo o autista capaz de saber tudo a respeito do assunto que lhe interessa. Há exemplos na literatura de autistas que devoravam listas telefônicas de sua cidade ou todos os aspectos da vida dos dinossauros.
Blind Tom, autista que viveu entre 1849 e 1908 era capaz de tocar mais de 7.000 peças de piano, mas não era capaz de reproduzir mais de 100 palavras.
Estímulos sensoriais são sentidos com uma intensidade muito maior pelo autista do que pelas demais pessoas. Assim, um cheiro forte ou o toque a materiais como massa de modelar, tinta plástica ou areia podem causar estranhamento e até repulsa.
Vídeos em inglês:
Outro ponto interessante a considerar é que pessoas com TEA são honestas, não conseguem mentir mesmo que seja para se protegerem, bem como tem senso de justiça e do que é correto apurado. Também possuem dificuldade em abstrair, com isso precisam de orientações diretas e não compreendem mensagens subliminares ou metáforas. Um exemplo que ouvi há muitos anos foi do autista que se escondeu embaixo da mesa da cozinha após ouvir no rádio a notícia de que estava ‘começando a chover canivete aberto’.
Após o diagnóstico, o acompanhamento psicológico é imprescindível, não apenas para auxiliar no desenvolvimento da criança, como também para auxiliar a família no entendimento do quadro, da aceitação do que se delineia, num primeiro momento, em algo extremamente difícil e assustador, apoiando pais e, quando necessário, o ambiente escolar para o recebimento e o trabalho diário com o autista.
Para conhecer um pouco mais sobre o universo autista, indico uma lista de filmes e livros que retratam os TEAs com grande fidedignidade de aspectos.
Filmes:
- Son-rise: meu filho, meu mundo (1979)
- Rain Man (1988)
- Gilbert Grape: aprendiz de sonhador (1993)
- Testemunha do silêncio (1994)
- Meu nome é Rádio (2003)
- Uma viagem inesperada (2004)
- Um certo olhar (2006)
- Um amigo inesperado (2006)
- O nome dela é Sabine (2007)
- Sei que vou te amar (2008)
- Mary e Max – uma amizade diferente (2009)
- Ocean Heaven (2010)
- Precisamos falar sobre o Kevin (2012)
- O cérebro de Hugo (2012)
Livros:
- Um mundo à parte – Jodi Picoult
- O estranho caso do cão morto – Mark Haddon
- O menino que desenhava monstros – Keith Donohue
- Em algum lugar nas estrelas – Clare Vanderpool
Adriana Soczek Sampaio
Psicóloga clínica com experiência em crianças e adolescentes TEA
Celular: (41) 99940-6262