Estabelecimentos com regras abusivas ferem o Direito do Consumidor
Regras Abusivas em estabelecimentos desafiam a legislação e os direitos dos consumidores, gerando debates sobre limites da autoridade dos fornecedores.
Viralizou nas redes sociais um vídeo em que um consumidor, ao sentar-se numa padaria com algumas outras pessoas, receber o seu café e salgado, e abrir seu notebook, é abordado, de repente, por um Senhor, com uma plaquinha nas mãos, mostrando e ressaltando que é proibido usar referido aparelho e fazer negócios dentro do estabelecimento.
Questionado pelo consumidor se não poderia deixar aberto o seu notebook, o Senhor assim respondeu:
“Não pode usar, tá aqui (e mostra a plaquinha), não pode usar, é lei, eu determino o que é lei dentro do meu estabelecimento…” e continua, após algumas falas, “larga a mão de ser otário bicho, entendeu?! Fecha isso!”,
Dentre outras falas ofensivas e ameaças, desconhecendo se houve reciprocidade neste sentido.
Pois bem, sem considerarmos os supostos ilícitos criminais que eventualmente serão apurados pelos órgãos competentes, nosso artigo visa analisar tão somente os limites do fornecedor na seara dos direitos do consumidor.
Desde já, insta ressaltar que, ao contrário do que se acredita, muito embora o fornecedor detenha o poder regulamentador em seu estabelecimento, este não é ilimitado e irrestrito.
O fornecedor não pode impor regras abusivas ao consumidor que frequenta o seu estabelecimento quando atenta, em especial, contra a Constituição Federal, o Código de Defesa do Consumidor e, sobretudo, aos princípios da boa-fé, da harmonia, da proporcionalidade e da razoabilidade.
E este, a meu ver, é o caso das regras impostas pela padaria, o que me levou a expor a minha posição nas redes sociais, atraindo a atenção de muitos, inclusive de haters, trazendo preocupações.
Isto porque é nítido que a intolerância à divergência de ideias vem se estendendo e aumentando a cada dia, esquecendo-se de que uma sociedade democrática só evolui quando há diálogo na divergência de ideias em busca do bem comum.
A propósito, regra geral, nosso crescimento como ser humano somente se dá quando nos damos a oportunidade de enxergarmos, também, o outro lado. Ousar exigir que todos pensem como você, sob pena de destruição da sua humanidade, nos mais diversos ângulos, excede a ignorância.
Parece que têm razão os que afirmam que a tolerância é uma ideia profundamente cristã, pois quanto mais afastada de DEUS está a sociedade, mais ela se torna intolerante, odiosa e doentia pelos seus pensamentos e ideias.
Então, aqui vai meu artigo, dedicado, inclusive, aos haters, na esperança de que leiam e abram a sua mente, não em direção à concordância com as minhas conclusões; não me atreveria a tal ponto, mas que sejam capazes de quebrar barreiras e de sentarem-se numa cadeira contrária, enxergando o que jamais visto.
Inobstante o direito do fornecedor de estabelecer regras dentro do seu estabelecimento, este não pode atingir os direitos do consumidor com regras abusivas.
E, creio que a regra do estabelecimento de impedir que o consumidor faça negócios dentro da padaria ou utilize notebook, em primeiro lugar, ofende à intimidade e o livre exercício do trabalho, ofício ou profissão, que são garantias fundamentais resguardadas pela Constituição Federal de 1988, em seu artigo 5º, inciso X e XIII.
Ensina o renomado jurista José Cretella Junior, em sua obra Curso de liberdades públicas, José Bushatsky Editor, São Paulo, 1974, p. 22 que “em seu sentido mais amplo, liberdade natura é a possibilidade máxima de expansão física e intelectual do ser humano, faculdade de autodeterminação, que cada um tem, de optar por este ou aquele comportamento”.
Com efeito, a liberdade de exercício de qualquer profissão, ofício ou trabalho abrange, também, o direito de prática e o de não ser privado, exceto quando a lei assim determinar.
Note que a liberdade é regra e a privação é exceção e apenas poderá ser aplicada quando a Lei e não um estabelecimento assim determinar.
Acrescente-se, ainda, que, a mesma Carta Magna prevê em seu artigo 5º, inciso XXXIII, que o Estado proverá a defesa do consumidor.
Já em seu artigo 170, inciso V, estabelece que “a ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados” alguns princípios, dentre eles defesa do consumidor, entrando em vigor, então, em 11 de setembro de 1990, o Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90).
O Código de Defesa do Consumidor em seu artigo 6º, inciso IV, determina que é direito do consumidor a proteção contra cláusulas abusivas impostas pelo fornecedor.
Consubstanciado em tal garantia, o artigo 39, inciso II, é claro ao estabelecer que “é vedado ao fornecedor de produtos ou serviços” recusar atendimento às demandas dos consumidores, “de conformidade com os usos e costumes”.
Já o artigo 51 do Código de Defesa do Consumidor, em seu inciso IV, impõe que é nula a cláusula (exigência), mesmo que verbal, do fornecedor que estabeleça obrigação considerada abusiva, isto é, uma vantagem exagerada do fornecedor ou incompatível com a boa-fé.
É aqui o ponto chave da nossa tese.
Quem nunca, antes de iniciar algum tipo de negócio ou tratativa, pensou num café? Sem dúvida, o café conecta pessoas.
Eu mesma, em todos os negócios iniciados nos meus últimos 20 anos, sempre houve o pedido de um café.
Logo, o cafezinho está intimamente ligado a uma conversa, em especial, de negócios e, e se estamos fora das nossas empresas, é numa padaria ou cafeteria que temos a capacidade de atingir esse triângulo: café, conversa, negócios.
Não é por outra razão que a palavra “café” está presente em denominações de eventos, blogs, redes sociais, programas de TV, dentre outros que exploram o mundo empresarial.
Sendo assim, o fornecedor, ao impedir o consumidor dentro da padaria, de fazer negócios ou abrir seu notebook enquanto estão consumindo, mediante o pagamento do serviço por ele prestado, viola a legislação vigente aos princípios da boa-fé, da harmonia, da proporcionalidade e da razoabilidade.
E para aqueles que ainda têm dúvida de que o fornecedor não tem poderes para criar as leis que bem entender em seu estabelecimento, lembre-se daquelas regras impostas que são proibidas e rechaçadas pelo Estado, tais como: consumação mínima em danceterias e boates; limitação da quantidade de compra de produtos em promoção; limite de valor mínimo de compra no cartão de débito e/ou crédito, dentre outros.
Que tal um cafezinho para continuarmos nossa conversa?
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